E ela era assim, a menina que ele tinha desenhado em folhas de caderno, pautadas em linhas ciano. Tinha as curvas dos recortes topográficos dos morros baseados em peitos e bundas que ele cansou de riscar. Os cabelos voados escuros como o nanquim que teimava em manchar as folhas de baixo. Menina que ele gostava de florear nos sonhos de jardins proibidos, nos pesadelos de luxuriosos infernos. Exatamente a menina que surgia, sempre que ele podia se divertir sozinho, com obscenidades de segredo, segredos desnecessários.
A brasa acesa no escuro recortado pelo quadrado da janela. Era um samba todo, queimando em fumaça branca contrastada no vermelho, forte, poderoso, que radiava de seus cabelos, de sua boca, daquele falso ódio delirando num sorriso irônico. Acordes, notas. Sopro de palavras mudas, silenciadas numa ignorância mútua. Era uma ópera toda, tocada com ênfase, cansada até o último momento, dedilhada num enlace de amores alcoolizados, paixões gravadas em ventanias ao pé de escadarias.
Aquele recorte na janela, beleza fotografada em um olhar sonolento, soprada com a fumaça de outro cigarro, com o fundo de outro copo. Era o relógio grudado torto na parede. Aquele descompasso de minutos e segundos e anos que não voltavam e nem correriam a vontade de quem os vivencia.
Não desenhou. Das linhas que viu só pode ficar com as cores e nem tocou, porque já era tarde, já era madrugada, já era silêncio. Nem tocou, porque do violão só tirava o mi. Nem dó saia dali.
Desce da janela. Calça os sapatos. Abre a porta que já abriu antes. Cruza a cozinha que já cruzou antes. Pisa nas folhas secas da árvore que caduca com o inverno que se aproxima irremediável em um futuro onde essa cena já não vai se repetir. Ele deixa ela ir. Deixa porque precisa, mas sem ter a certeza de que quer. E ela vai, decidida.
Pisa na calçada e fraqueja. Ele sobe as escadas e espera.
Não voltam mais. A janela é fechada e a cena tenta se desfazer, assim como as folhas serão varridas e como a árvore em breve será só galhos. Não que eles não se desejem e não que o cigarro apagado tenha sido o último do maço, mas já é tempo de enfrentarem a si mesmos sozinhos.
Vão lá, ouvir suas músicas... ninguém pode sair de mero espectador agora.
Dos cigarros no cinzeiro
Aquele recorte na janela, beleza fotografada em um olhar sonolento, soprada com a fumaça de outro cigarro, com o fundo de outro copo. Era o relógio grudado torto na parede. Aquele descompasso de minutos e segundos e anos que não voltavam e nem correriam a vontade de quem os vivencia.
Não desenhou. Das linhas que viu só pode ficar com as cores e nem tocou, porque já era tarde, já era madrugada, já era silêncio. Nem tocou, porque do violão só tirava o mi. Nem dó saia dali.
Desce da janela. Calça os sapatos. Abre a porta que já abriu antes. Cruza a cozinha que já cruzou antes. Pisa nas folhas secas da árvore que caduca com o inverno que se aproxima irremediável em um futuro onde essa cena já não vai se repetir. Ele deixa ela ir. Deixa porque precisa, mas sem ter a certeza de que quer. E ela vai, decidida.
Pisa na calçada e fraqueja. Ele sobe as escadas e espera.
Não voltam mais. A janela é fechada e a cena tenta se desfazer, assim como as folhas serão varridas e como a árvore em breve será só galhos. Não que eles não se desejem e não que o cigarro apagado tenha sido o último do maço, mas já é tempo de enfrentarem a si mesmos sozinhos.
Vão lá, ouvir suas músicas... ninguém pode sair de mero espectador agora.