Mentaótico

Ótica mental cheia de hortelã!

Ele disfarçava seus desamores com os sorrisos de um perdedor vitorioso. De olhos fechados encontrava ela e elas. Mas disfarçava ainda mais ela nele. Dando tempo ao tempo que não passava, carinho praquelas em que tropeçava e mentiras pra que todos pudessem dormir a noite.

E os dias nunca passavam quando pensava nela. Se estendiam pelas horas, se arrastando e grudando como uma névoa nojenta e descolorida. Pensava mesmo que iam ficar juntos ou só achava que era o que queria? Será que sentia?

Mal-humorado compulsivo, com irritações crônicas, ironicamente sagaz e perturbadoramente dissimulado. Com uma fome de amargor e desejo pelo impossível. Alimentaria-se dela, viveria dela e dela tiraria o que o fizesse melhor.

Sofria de um mal extremo. Desejava-a. Um desejo doentio de tão egoísta. Sabia que não queria dar felicidade a ela. Se quisesse não poderia. Mas queria felicidade para si próprio. Como tratar seu egoísmo adquirido na falta de sensibilidade?

Dessa vez a faca não viu sangue. Dessa vez a faca não viu nada. Ninguém viu nada.

Decidido, cortou todo amor de dentro dele. No fio da navalha tirou ela, tirou elas e deixou um grande vazio carnicento. Seguiu assim, vivo e morto, podre e limpo. Optou por não usar da sua vida e morrer de olhos abertos.

Quando morreu, nessa história não com um tiro nos miolos, uma lâmina no peito ou enfiada no estômago. Não, nessa história morreu de velho. Mas morreu tão sozinho quanto os outros. Nessa história, de morte prematura só o espírito. De amor só uma vaga ideia.

-Não ia saber quando você está irritada ou triste ou brava ou misteriosa. Não sei se saberia te fazer feliz, se te entreteria enquanto estivessemos juntos. Não sei se conheceria seus gostos, caprichos e se daria os presentes que você gostaria de receber. Penso se saberia ser pra você um bom companheiro, se poderia enxugar suas lágrimas e então te fazer rir. Se cozinharia carne e você seria vegetariana, se usaria alho e descobriria que você é alérgica, que serviria vinho e você diria que não bebe, proporia um suco e você iria escolher a água. Não sei dizer se diria o que você precisa ouvir, ou se seria muito cruel te dizendo minhas verdades, ou se seria muito omisso quando te cobrisse com mentiras bobas. Não sei se nossos corpos se encaixariam com perfeição e se nos daríamos prazer suficiente, não sei se chegaríamos a fazer sexo. Fico em dúvida quanto a que música ouviriamos no carro e em que lugares acabaríamos chegando com ele. Não sei se te veria entrar de branco e me encontrar no final do tapete vermelho, não sei se nos diríamos sim. Não sei nem mesmo se você veria em mim alguém pra ter ao seu lado. Se sonhariamos um com o outro. Não sei se repararia quando você mudasse o cabelo, se seria sincero quando você me perguntasse se engordou, se não me irritaria quando você se atrasasse pra sair. Não sei se te faria o café da manhã, se te indicaria livros, se acabaria tendo o seu nome tatuado, nos braços nas nádegas, nas pernas, não sei. Será que te faria cócegas até você perder o ar, será que você me daria tapas depois, será que me morderia. Não sei se brigaríamos pela tampa da privada levantada, não sei se você estaria lá pra ver esse erro. É, eu realmente não sei de nada... só sei que sinto algo por você e tenho medo que seja amor.

E ela sabia que podia ser melhor. Acordava todo dia, se via no espelho e acreditava. Sentia que não tinha se perdido, sentia tanta coisa. Nos últimos dias sentia mais. Se via mais. Como podia se odiar tanto? Como sentir aquele gosto amargo e não morrer?

Se questionava, duvidava. Aquele veneno nos pensamentos. Aquelas ideias doentias. Não, não. Não eram doentias. Se a fizessem melhor, como poderiam ser doentias? Mas sentia raiva e embaixo desse véu tudo parecia um pouco mais terrível, um pouco mais caótico.

Não foram seus relacionamentos que a tornaram assim. Não foram seus pais, não foi sua família. Não foi falta de dinheiro, nem talvez tenha sido falta de carinho. Não era falta de sexo e nem falta de humor. Era ela mesma. Eram os olhos que se encontravam quando mirava o espelho.

Aquele rosto magro bonito. Aquela pele lisa. Aquele cabelo liso. Eram os ombros secos. Eram aqueles seios presos ao peito. Era aquela barriga esculpida. Era aquela casca perfeita, guardando um fruto podre. Era a mente doente, no corpo saudável.

O café na mão era uma tentativa de aquecer-se. Talvez até de se manter acordada. Quão perfeita uma vida pode ser? Quanta perfeição ela podia aguentar? Aquela perfeição doía. A perfeição a tornava imperfeita. Precisava livrar-se daquilo.

Cigarros, álcool, drogas. Não, era ela demais. Era exata demais, polida demais. Deus, nem sabia mais se era humana. Alheia, invejava cada um que cruzasse seu caminho. Eles podiam ser o que quisessem, mas e ela? O que ela era? Por que ninguém podia saber?

As cartas que deixou não responderam suas dúvidas. Seus poemas, desenhos... nenhum deles chegou perto. Nem tão pouco a lâmina que cravou em seu estômago. Nem a dor que sentiu. O sangue pingando no chão... não chegaram nem perto.

A porta estava trancada por dentro. Ninguém a visitara. As cartas estavam arrumadas, na mesa, com fotos da sua perfeição. Na varanda, agora esfriava o corpo imperfeito. O rosto destruído. As unhas arrancadas. A adaga cravada exatamente no centro.

Um perfeito cadáver. Perfeitamente morto. Perfeitamente horrível. Perfeitamente exato. Ainda que em um último ato, lá estava ela, deixando seu corpo perfeito pra assumir os erros com sua alma perfeitamente eterna. Perfeitamente.

Foi o painel que te dei
E nunca vi na sua parede.
Foram os beijos forçados
Roubados sem vontade.
Foi meu riso sem graça
Tirado no terror.
Foi seu braço no meu pescoço,
A falta de ar no meu pulmão.
Foi seu "eu te amo tanto"
Respondido pelo meu "eu também".
Foi seu hálito de menta,
Lutando no meu perfume.
Sua calça apertada
Presa em suas pernas.
Sua pressa louca
E minha mentira boba.
Minhas mentiras bobas.
Minhas muitas mentiras.
Nossa grande mentira.
Nossa tragédia privada.
Fui eu que destrui tudo,
E sou eu que hoje agradeço.

Eu estava lá
Com meus cigarros e seus vinhos
Estava lá
Na minha calça rasgada,
Penteando meu cabelo mal cortado
Analisando minha barba mal-feita.

Jogado no sofá,
Lendo aquele que falava de nós
Deitado no chão,
Ouvindo os sons da casa vazia
Sentado na mesa,
Vendo cadernos com seu nome
Fotos coladas com fita.

Lá,
Sorrindo pro espelho
Me convencendo,
Me contendo.
Morto embaixo do chuveiro
Contando nos dedos as gotas.

Na cama sonhando comigo.
Na parede exposto com tinta.
Na porta pensando em sair.
Na pia, indo pelo ralo.
Na janela querendo pular.
Na rua tentando correr.

Mas pra sempre lá
Sem a vontade dos meus dias
Bons, sem abrigo da chuva
Em mim, sentindo apenas
O fim, simples como os seus
Beijos, que de mim já ausentes.

Vou me recompor e voltar
Encontrar o caminho na casa
Tirar o pó de nós dois e,
Dessa vez, não vou jogá-lo
Embaixo do tapete.
Vou juntá-lo e finalmente...

O que?
Finalmente o que, baby?

Tirando algumas coisas que escrevo aqui ou lá, não gosto de falar do que sinto. E não falo.

Falo muito do que penso, do que idealizo, mas na realidade nunca ponho muito do que sinto no meu discurso. Introvertido ou não é assim que parece ser.

Não é por não sentir, é só pra não declarar. Falo da raiva que penso que sinto às vezes, dos amores que penso que tenho, das ilusões que penso que me iludem e da vida que penso que levo. Mas não significa que sinta aquilo que penso demais.

"De tanto eu te falar, você subverteu
o que era um sentimento e assim
fez dele razão pra se perder
no abismo que é pensar em sentir..."


E por isso é melhor eu continuar distante.
É mais fácil não me envolver.

Percebi que fico esperando um ponto final. Porque eu acho que um dia vou estar em algum lugar, com alguma situação e ali, de repente, acabou.

Não sei se é, mas chega bem perto da morte. Não é uma vontade de morrer, é só uma questão de querer que acabe. Gosto muito da parte da história em que vivo, mas parece que eu to sempre esperando que termine.

Me acostumei com finais. Porque por pior que eles sejam parecem tão reconfortantes. Sigo um ponto qualquer bem à frente da minha existência e sempre acho que tudo que queria acaba ali. É uma meta de fechamento. É o apogeu. O fim. E ponto.

Sigo para lá, como se aquilo marcasse um antes sem precisar de um depois. Mas nunca chego lá, nunca encontro, então por isso suponho que este seja a morte. O descanse em paz do senso comum. E isso não é covardia. Pare de ler se você acha que é covardia.

Porque eu não tenho medo de viver o resto da minha vida. Não tenho medo de ver esse ponto se estender até minha velhice. Não queria, definitivamente esperava encontrar esse marco amanhã, ou depois. Mas se não encontrá-lo irei até o fim.

Ou até o ponto em que algo aconteça e eu finalmente entenda que a minha vida só faz sentido com um antes e um depois. Até o ponto onde eu esqueça que preciso chegar neles. Até o ponto em que você entre de vez nela.

E eu entenda que o ponto não marcava um fim. Mas só o começo.

Um péssimo amigo. Se definia assim. Dentro dele sabia que o máximo que podia dar pra alguém era algo daquilo que ele era. Aos poucos, se aproximava, amigavasse e quando via, olhava o amigo e se via no espelho. Se encantava com a possibilidade de entrar na pessoa, invadir cada espaço, vazio ou cheio, de poluir e sujar o coração. Quando via, tinha tanto de si naquele amigo considerado que se assustava.

Era realmente uma pessoa ruim. Amargo, ácido. Amarelo, escuro. Doente, louco. Chato, mesquinho. Ah, deus era belo, como era. Mas pecados deixam tantas marcas que era triste aquela face. Mas era interessante. Era um ser interessante como uma nova galáxia, quanto fusão de átomos, quanto um navio afundado. E quem não se interessaria?

Fácil era o modo de se induzir. Invadir e ao sair deixar um ser que não se conhece mais. Com o tempo, eram suas músicas, eram seus filmes, seus livros. Eram suas palavras narradas pela boca de outra pessoa. E não ficavam melhor. Eram tão ruins e feias, que seriam ruins e feias em qualquer pele, qualquer vazio.

Felicidade era poder destruir tantas essências. Não existia felicidade maior. E se fazia isso com outro, logo outro fazia com outro e com outro e com outro.

Um dia acordou e foi atendido por si mesmo. Pediu por um táxi e foi ele quem dirigiu. Almoçou e foi ele quem serviu. Olhou no espelho e já não reconheceu-se mais. Tinha tantos de si que a sua parte na história agora era obscura, confusa. Tinha se espalhado tanto pelo mundo que agora que o mundo era ele, ele já não se encontrava em lugar nenhum.

No desespero, se jogou de 13 andares. Enquanto caia se viu nas janelas, nos parapeitos, se viu nos carros lá embaixo. Notou-se em tudo que tinha feito, tudo que tinha tocado, tudo que tinha um pouco de si. Tocou no chão. Antes de deixar seu último ar sair, antes de saber que deixava a última parte de si ali, pode reparar que nada tinha de seu.

E assim morreu.

Daquele que não sentiu

Ele disfarçava seus desamores com os sorrisos de um perdedor vitorioso. De olhos fechados encontrava ela e elas. Mas disfarçava ainda mais ela nele. Dando tempo ao tempo que não passava, carinho praquelas em que tropeçava e mentiras pra que todos pudessem dormir a noite.

E os dias nunca passavam quando pensava nela. Se estendiam pelas horas, se arrastando e grudando como uma névoa nojenta e descolorida. Pensava mesmo que iam ficar juntos ou só achava que era o que queria? Será que sentia?

Mal-humorado compulsivo, com irritações crônicas, ironicamente sagaz e perturbadoramente dissimulado. Com uma fome de amargor e desejo pelo impossível. Alimentaria-se dela, viveria dela e dela tiraria o que o fizesse melhor.

Sofria de um mal extremo. Desejava-a. Um desejo doentio de tão egoísta. Sabia que não queria dar felicidade a ela. Se quisesse não poderia. Mas queria felicidade para si próprio. Como tratar seu egoísmo adquirido na falta de sensibilidade?

Dessa vez a faca não viu sangue. Dessa vez a faca não viu nada. Ninguém viu nada.

Decidido, cortou todo amor de dentro dele. No fio da navalha tirou ela, tirou elas e deixou um grande vazio carnicento. Seguiu assim, vivo e morto, podre e limpo. Optou por não usar da sua vida e morrer de olhos abertos.

Quando morreu, nessa história não com um tiro nos miolos, uma lâmina no peito ou enfiada no estômago. Não, nessa história morreu de velho. Mas morreu tão sozinho quanto os outros. Nessa história, de morte prematura só o espírito. De amor só uma vaga ideia.

Ignorância

-Não ia saber quando você está irritada ou triste ou brava ou misteriosa. Não sei se saberia te fazer feliz, se te entreteria enquanto estivessemos juntos. Não sei se conheceria seus gostos, caprichos e se daria os presentes que você gostaria de receber. Penso se saberia ser pra você um bom companheiro, se poderia enxugar suas lágrimas e então te fazer rir. Se cozinharia carne e você seria vegetariana, se usaria alho e descobriria que você é alérgica, que serviria vinho e você diria que não bebe, proporia um suco e você iria escolher a água. Não sei dizer se diria o que você precisa ouvir, ou se seria muito cruel te dizendo minhas verdades, ou se seria muito omisso quando te cobrisse com mentiras bobas. Não sei se nossos corpos se encaixariam com perfeição e se nos daríamos prazer suficiente, não sei se chegaríamos a fazer sexo. Fico em dúvida quanto a que música ouviriamos no carro e em que lugares acabaríamos chegando com ele. Não sei se te veria entrar de branco e me encontrar no final do tapete vermelho, não sei se nos diríamos sim. Não sei nem mesmo se você veria em mim alguém pra ter ao seu lado. Se sonhariamos um com o outro. Não sei se repararia quando você mudasse o cabelo, se seria sincero quando você me perguntasse se engordou, se não me irritaria quando você se atrasasse pra sair. Não sei se te faria o café da manhã, se te indicaria livros, se acabaria tendo o seu nome tatuado, nos braços nas nádegas, nas pernas, não sei. Será que te faria cócegas até você perder o ar, será que você me daria tapas depois, será que me morderia. Não sei se brigaríamos pela tampa da privada levantada, não sei se você estaria lá pra ver esse erro. É, eu realmente não sei de nada... só sei que sinto algo por você e tenho medo que seja amor.

Aquela sem erro algum

E ela sabia que podia ser melhor. Acordava todo dia, se via no espelho e acreditava. Sentia que não tinha se perdido, sentia tanta coisa. Nos últimos dias sentia mais. Se via mais. Como podia se odiar tanto? Como sentir aquele gosto amargo e não morrer?

Se questionava, duvidava. Aquele veneno nos pensamentos. Aquelas ideias doentias. Não, não. Não eram doentias. Se a fizessem melhor, como poderiam ser doentias? Mas sentia raiva e embaixo desse véu tudo parecia um pouco mais terrível, um pouco mais caótico.

Não foram seus relacionamentos que a tornaram assim. Não foram seus pais, não foi sua família. Não foi falta de dinheiro, nem talvez tenha sido falta de carinho. Não era falta de sexo e nem falta de humor. Era ela mesma. Eram os olhos que se encontravam quando mirava o espelho.

Aquele rosto magro bonito. Aquela pele lisa. Aquele cabelo liso. Eram os ombros secos. Eram aqueles seios presos ao peito. Era aquela barriga esculpida. Era aquela casca perfeita, guardando um fruto podre. Era a mente doente, no corpo saudável.

O café na mão era uma tentativa de aquecer-se. Talvez até de se manter acordada. Quão perfeita uma vida pode ser? Quanta perfeição ela podia aguentar? Aquela perfeição doía. A perfeição a tornava imperfeita. Precisava livrar-se daquilo.

Cigarros, álcool, drogas. Não, era ela demais. Era exata demais, polida demais. Deus, nem sabia mais se era humana. Alheia, invejava cada um que cruzasse seu caminho. Eles podiam ser o que quisessem, mas e ela? O que ela era? Por que ninguém podia saber?

As cartas que deixou não responderam suas dúvidas. Seus poemas, desenhos... nenhum deles chegou perto. Nem tão pouco a lâmina que cravou em seu estômago. Nem a dor que sentiu. O sangue pingando no chão... não chegaram nem perto.

A porta estava trancada por dentro. Ninguém a visitara. As cartas estavam arrumadas, na mesa, com fotos da sua perfeição. Na varanda, agora esfriava o corpo imperfeito. O rosto destruído. As unhas arrancadas. A adaga cravada exatamente no centro.

Um perfeito cadáver. Perfeitamente morto. Perfeitamente horrível. Perfeitamente exato. Ainda que em um último ato, lá estava ela, deixando seu corpo perfeito pra assumir os erros com sua alma perfeitamente eterna. Perfeitamente.

Culpa sua

Foi o painel que te dei
E nunca vi na sua parede.
Foram os beijos forçados
Roubados sem vontade.
Foi meu riso sem graça
Tirado no terror.
Foi seu braço no meu pescoço,
A falta de ar no meu pulmão.
Foi seu "eu te amo tanto"
Respondido pelo meu "eu também".
Foi seu hálito de menta,
Lutando no meu perfume.
Sua calça apertada
Presa em suas pernas.
Sua pressa louca
E minha mentira boba.
Minhas mentiras bobas.
Minhas muitas mentiras.
Nossa grande mentira.
Nossa tragédia privada.
Fui eu que destrui tudo,
E sou eu que hoje agradeço.

De não estar.

Eu estava lá
Com meus cigarros e seus vinhos
Estava lá
Na minha calça rasgada,
Penteando meu cabelo mal cortado
Analisando minha barba mal-feita.

Jogado no sofá,
Lendo aquele que falava de nós
Deitado no chão,
Ouvindo os sons da casa vazia
Sentado na mesa,
Vendo cadernos com seu nome
Fotos coladas com fita.

Lá,
Sorrindo pro espelho
Me convencendo,
Me contendo.
Morto embaixo do chuveiro
Contando nos dedos as gotas.

Na cama sonhando comigo.
Na parede exposto com tinta.
Na porta pensando em sair.
Na pia, indo pelo ralo.
Na janela querendo pular.
Na rua tentando correr.

Mas pra sempre lá
Sem a vontade dos meus dias
Bons, sem abrigo da chuva
Em mim, sentindo apenas
O fim, simples como os seus
Beijos, que de mim já ausentes.

Vou me recompor e voltar
Encontrar o caminho na casa
Tirar o pó de nós dois e,
Dessa vez, não vou jogá-lo
Embaixo do tapete.
Vou juntá-lo e finalmente...

O que?
Finalmente o que, baby?

Por não ser.

Tirando algumas coisas que escrevo aqui ou lá, não gosto de falar do que sinto. E não falo.

Falo muito do que penso, do que idealizo, mas na realidade nunca ponho muito do que sinto no meu discurso. Introvertido ou não é assim que parece ser.

Não é por não sentir, é só pra não declarar. Falo da raiva que penso que sinto às vezes, dos amores que penso que tenho, das ilusões que penso que me iludem e da vida que penso que levo. Mas não significa que sinta aquilo que penso demais.

"De tanto eu te falar, você subverteu
o que era um sentimento e assim
fez dele razão pra se perder
no abismo que é pensar em sentir..."


E por isso é melhor eu continuar distante.
É mais fácil não me envolver.

E acabar.

Percebi que fico esperando um ponto final. Porque eu acho que um dia vou estar em algum lugar, com alguma situação e ali, de repente, acabou.

Não sei se é, mas chega bem perto da morte. Não é uma vontade de morrer, é só uma questão de querer que acabe. Gosto muito da parte da história em que vivo, mas parece que eu to sempre esperando que termine.

Me acostumei com finais. Porque por pior que eles sejam parecem tão reconfortantes. Sigo um ponto qualquer bem à frente da minha existência e sempre acho que tudo que queria acaba ali. É uma meta de fechamento. É o apogeu. O fim. E ponto.

Sigo para lá, como se aquilo marcasse um antes sem precisar de um depois. Mas nunca chego lá, nunca encontro, então por isso suponho que este seja a morte. O descanse em paz do senso comum. E isso não é covardia. Pare de ler se você acha que é covardia.

Porque eu não tenho medo de viver o resto da minha vida. Não tenho medo de ver esse ponto se estender até minha velhice. Não queria, definitivamente esperava encontrar esse marco amanhã, ou depois. Mas se não encontrá-lo irei até o fim.

Ou até o ponto em que algo aconteça e eu finalmente entenda que a minha vida só faz sentido com um antes e um depois. Até o ponto onde eu esqueça que preciso chegar neles. Até o ponto em que você entre de vez nela.

E eu entenda que o ponto não marcava um fim. Mas só o começo.
Um péssimo amigo. Se definia assim. Dentro dele sabia que o máximo que podia dar pra alguém era algo daquilo que ele era. Aos poucos, se aproximava, amigavasse e quando via, olhava o amigo e se via no espelho. Se encantava com a possibilidade de entrar na pessoa, invadir cada espaço, vazio ou cheio, de poluir e sujar o coração. Quando via, tinha tanto de si naquele amigo considerado que se assustava.

Era realmente uma pessoa ruim. Amargo, ácido. Amarelo, escuro. Doente, louco. Chato, mesquinho. Ah, deus era belo, como era. Mas pecados deixam tantas marcas que era triste aquela face. Mas era interessante. Era um ser interessante como uma nova galáxia, quanto fusão de átomos, quanto um navio afundado. E quem não se interessaria?

Fácil era o modo de se induzir. Invadir e ao sair deixar um ser que não se conhece mais. Com o tempo, eram suas músicas, eram seus filmes, seus livros. Eram suas palavras narradas pela boca de outra pessoa. E não ficavam melhor. Eram tão ruins e feias, que seriam ruins e feias em qualquer pele, qualquer vazio.

Felicidade era poder destruir tantas essências. Não existia felicidade maior. E se fazia isso com outro, logo outro fazia com outro e com outro e com outro.

Um dia acordou e foi atendido por si mesmo. Pediu por um táxi e foi ele quem dirigiu. Almoçou e foi ele quem serviu. Olhou no espelho e já não reconheceu-se mais. Tinha tantos de si que a sua parte na história agora era obscura, confusa. Tinha se espalhado tanto pelo mundo que agora que o mundo era ele, ele já não se encontrava em lugar nenhum.

No desespero, se jogou de 13 andares. Enquanto caia se viu nas janelas, nos parapeitos, se viu nos carros lá embaixo. Notou-se em tudo que tinha feito, tudo que tinha tocado, tudo que tinha um pouco de si. Tocou no chão. Antes de deixar seu último ar sair, antes de saber que deixava a última parte de si ali, pode reparar que nada tinha de seu.

E assim morreu.

Ótica mental cheia de hortelã!

Café forte e sem açúcar!