Mentaótico

Ótica mental cheia de hortelã!

Tão triste e sozinho, deitado fundo no sofá, fugindo dos fantasmas da cama. Se sentia solitário de um jeito novo, solitário de um jeito que só o último de uma espécie saberia como é. Era o único de si. E não conseguia nem se suportar. Queria alguém pra dizer que ama, mas não encontrava no meio do ego que espalhou pela casa. Tornara-se um bicho indomável, ouriçado, cruel consigo mesmo, apaixonado pela sua auto-piedade, esgotado nas batalhas contra os demônios invencíveis. Não conseguia ver verdade em "tudo está cheio de amor". Estava jogando xadrez e não podia vencer pois já não tinha rivais. Via o sol nascer mais uma vez, na insônia de esperar por algo que não queria que chegasse. Precisava crescer. Se livrar... mas que medo que tinha disso. Não queria levantar-se de novo, não queria repetir e repetir e trocar palavras e continuar falando das mesmas coisas.

Pensava na vida que ainda tinha em frente e já se arrependia por ter nascido. Pensava no dia que ia raiar e se arrependia por não ter dormido, pensava na noite que viria depois e se arrependia por ter visto mais um sol se por.


Andava na rua de novo. Com seu tênis branco e encardido, com sua bermuda suja, camiseta arrumada, cabelo desgrenhado, barba por fazer. Mochila vazia presa nas costas. Andava apressado, com os passos de quem quer sair correndo e não quer parar mais, passos de quem se imaginava Forrest.


Passos rápidos, agéis. Desviava das árvores, embaixo dos pingos de chuva. Pulava as poças, atolava o pé no barro. Imaginava situações que o livrassem daquela vida cavocada na penumbra. Prestava atenção nos postes que apagavam e contava o tempo até que se iluminassem. Esperava que o sequestrassem, esperava ser roubado, esperava que lhe oferecessem sexo. Acelerava o passo.

Sabia que andava mais rápido que o necessário. Sabia que adiantava o momento de chegar em qualquer lugar, ainda que nunca quisesse chegar em lugar nenhum. Não corria, não gostava de correr, mas acelerava o passo, acelerava cada movimento muscular que o levasse um metro mais a frente, um metro além de qualquer demônio. Fugia.

Sentia-se livre ali na rua. Sentia-se dono de uma vida que não podia perseguir, por mais que ainda caminhasse. Essa vida que deteriorava em seus sonhos, vida que via pior, que imaginava diferente, que criava irresponsavelmente.

Olhava para os carros e se via atropelado, tripas coladas no asfalto. Fêmur fraturado, crânio despedaçado. Voltava-se para a calçada. Não queria aquilo e ria de si mesmo. Prestava atenção em seus cadarços e desviava das riscas do chão invocando antigos mitos. Revia mentalmente sua agenda, amaldiçoava mais uma vez, amigos, família, seus cachorros.

Respirava e lançava-se em outro passo no escuro. Só sabia seguir.

Olha amor. Mira esses meus olhos. Enxerga nessas rugas meu cansaço. Olha bem amor, por favor, olha agora. Enxerga em mim de novo seu novo amante, enxerga nesse velho corpo seu antigo amor. Esquece as marcas do tempo e do desprezo, esquece as cicatrizes dessa vida arrastada e me ama de novo. Olha pra mim amor.


Junta coragem e levanta esse rosto, abre esse seu olho e me vê mais uma vez. Parado, na sua frente, implorando. Para de só me ouvir falar. Amor, preciso disso. Me olha. Olha nos meus olhos e me aceita mais uma vez... não mata-me devagar assim, não me ignora como ignora os cachorros famintos que te seguem cheirosa. Não suporto.

Não te peço perdão pois não errei. Não derramo lágrimas pois não tenho tristeza enterrada no peito. Não tenho medo porque já não tenho mais nada a perder. Então me olha amor, me olha e sai dessa pose desposada e travada e desinteressada. Olha e tenta me aquecer.

Sou um velho. E você é uma velha. E nossas vidas são velhas. E nosso amor... doente, decadente. Meu amor. Mas ainda somos nós. Amor. Pode ficar com seus sentimentos acabados na vala suja, pode ficar com suas ideias que me deitaram na lama. Mas agora, só agora, agora que sopro a angústia de uma vida bem vivida, olha pra mim, olha pra mim. E se despede...

Já não sei se acordarei.

Tão triste e sozinho, deitado fundo no sofá, fugindo dos fantasmas da cama. Se sentia solitário de um jeito novo, solitário de um jeito que só o último de uma espécie saberia como é. Era o único de si. E não conseguia nem se suportar. Queria alguém pra dizer que ama, mas não encontrava no meio do ego que espalhou pela casa. Tornara-se um bicho indomável, ouriçado, cruel consigo mesmo, apaixonado pela sua auto-piedade, esgotado nas batalhas contra os demônios invencíveis. Não conseguia ver verdade em "tudo está cheio de amor". Estava jogando xadrez e não podia vencer pois já não tinha rivais. Via o sol nascer mais uma vez, na insônia de esperar por algo que não queria que chegasse. Precisava crescer. Se livrar... mas que medo que tinha disso. Não queria levantar-se de novo, não queria repetir e repetir e trocar palavras e continuar falando das mesmas coisas.

Pensava na vida que ainda tinha em frente e já se arrependia por ter nascido. Pensava no dia que ia raiar e se arrependia por não ter dormido, pensava na noite que viria depois e se arrependia por ter visto mais um sol se por.


Sobre você

Andava na rua de novo. Com seu tênis branco e encardido, com sua bermuda suja, camiseta arrumada, cabelo desgrenhado, barba por fazer. Mochila vazia presa nas costas. Andava apressado, com os passos de quem quer sair correndo e não quer parar mais, passos de quem se imaginava Forrest.

Passos rápidos, agéis. Desviava das árvores, embaixo dos pingos de chuva. Pulava as poças, atolava o pé no barro. Imaginava situações que o livrassem daquela vida cavocada na penumbra. Prestava atenção nos postes que apagavam e contava o tempo até que se iluminassem. Esperava que o sequestrassem, esperava ser roubado, esperava que lhe oferecessem sexo. Acelerava o passo.

Sabia que andava mais rápido que o necessário. Sabia que adiantava o momento de chegar em qualquer lugar, ainda que nunca quisesse chegar em lugar nenhum. Não corria, não gostava de correr, mas acelerava o passo, acelerava cada movimento muscular que o levasse um metro mais a frente, um metro além de qualquer demônio. Fugia.

Sentia-se livre ali na rua. Sentia-se dono de uma vida que não podia perseguir, por mais que ainda caminhasse. Essa vida que deteriorava em seus sonhos, vida que via pior, que imaginava diferente, que criava irresponsavelmente.

Olhava para os carros e se via atropelado, tripas coladas no asfalto. Fêmur fraturado, crânio despedaçado. Voltava-se para a calçada. Não queria aquilo e ria de si mesmo. Prestava atenção em seus cadarços e desviava das riscas do chão invocando antigos mitos. Revia mentalmente sua agenda, amaldiçoava mais uma vez, amigos, família, seus cachorros.

Respirava e lançava-se em outro passo no escuro. Só sabia seguir.

Pra poder ir em paz

Olha amor. Mira esses meus olhos. Enxerga nessas rugas meu cansaço. Olha bem amor, por favor, olha agora. Enxerga em mim de novo seu novo amante, enxerga nesse velho corpo seu antigo amor. Esquece as marcas do tempo e do desprezo, esquece as cicatrizes dessa vida arrastada e me ama de novo. Olha pra mim amor.

Junta coragem e levanta esse rosto, abre esse seu olho e me vê mais uma vez. Parado, na sua frente, implorando. Para de só me ouvir falar. Amor, preciso disso. Me olha. Olha nos meus olhos e me aceita mais uma vez... não mata-me devagar assim, não me ignora como ignora os cachorros famintos que te seguem cheirosa. Não suporto.

Não te peço perdão pois não errei. Não derramo lágrimas pois não tenho tristeza enterrada no peito. Não tenho medo porque já não tenho mais nada a perder. Então me olha amor, me olha e sai dessa pose desposada e travada e desinteressada. Olha e tenta me aquecer.

Sou um velho. E você é uma velha. E nossas vidas são velhas. E nosso amor... doente, decadente. Meu amor. Mas ainda somos nós. Amor. Pode ficar com seus sentimentos acabados na vala suja, pode ficar com suas ideias que me deitaram na lama. Mas agora, só agora, agora que sopro a angústia de uma vida bem vivida, olha pra mim, olha pra mim. E se despede...

Já não sei se acordarei.

Ótica mental cheia de hortelã!

Café forte e sem açúcar!