Mentaótico

Ótica mental cheia de hortelã!

Acho que sempre erro nas minhas expressões. Não consigo me expressar como queria, faço parecer errado, faço parecer grosso. Se tenho alguma culpa, é nisso. Mas eu tentei me explicar, eu tentei mostrar o meu lado, tentei deixar as coisas pelo menos um pouco mais claras. Só que vocês teimam em não ouvir, vocês já me enquadraram num gabarito que não me encaixo, num padrão que não é real. Eu não sou desse jeito que vocês enxergam, não sou melhor do que isso e muito menos sou pior do que isso. Mas não sou isso.


É muito fácil tirar as próprias conclusões e enterrá-las fundo. Fechar os ouvidos e não querer escutar. O difícil é entender que "porque sim" não funciona mais. Porque sim não responde nada. Difícil é aceitar que existem perguntas agora. É difícil não olhar só pro próprio rabo e ver só seus próprios problemas. Eu não sei mais o que fazer... a sensação de esgotamento não passa, não sara. Queria poder pelo menos me sentir culpado, me sentir responsável por isso, queria entender os motivos, queria ter explicações.

Mas nem conversar a gente consegue... cada tentativa é uma tortura, cada palavra é um buraco novo, é mais um poço aberto, mais um iceberg a ser vencido, mais um penhasco a cair. E já não consigo mais enfrentar essas coisas. Só sinto vontade de me afastar. Antes sentir saudades do que sentir de novo esse amargo do ódio. Vou quebrar meus dentes se prender meu maxilar de novo, vou rasgar minha mão se segurar minha raiva mais uma vez. E não quero isso...

Eu conseguia lembrar de alguma coisa nossa e hoje me esvaziei de um jeito tão medonho. Apaguei as luzes e deixei um negro tão angustiante, tão monstruoso.

Queria desistir de vocês. Juntar minhas roupas, ir embora. De novo, pra sempre. Só ter de vocês os números no banco e isso enquanto não conseguisse desprecisar também. Manter as relações formais, essas que a gente se dá bem por duas horas e então volta cada um pro seu lugar... aí fingiriamos que é tudo como deveria ser, inventariamos uma familia pra cada jantar, pra cada churrasco e seria tudo como queriamos que fosse.

Mas não consigo. Então deixa me deixa com meu copo e com minhas ilusões. Lá no fundo dele eu me sinto melhor...

Porque não faz sentido a gente fingir agora que tá tudo bem amor. Esquecer as mágoas dos meses que fugiram e sorrir bobo desejando felicidade. Não faz sentido.

Olhar e trocar esse abraço seco de novo, abraço distante, fraco ainda que seja apertado. Ah amor, o que estamos tentando fazer?
Seca essa lágrima no olho e tira esse sorriso da cara. Pega logo essa vodka e bebe enquanto todos fingem que ainda se amam. Olha lá amor, que lindo teatro encenamos.
Não temos culpa de nada, só não precisamos mais fingir. Fingir pra que? Já não tenho forças pra isso, de novo. Até quando?
É na antiga contagem que sinto meu coração acelerar, irremediado e inseguro dentro do peito.
10 e ele vibra. 9 e sinto minhas veias saltarem. 8 e o entorpecimento se espalha. 7, mais um gole pra tentar não estourar. 6 prendes a respiração. 5 e aquele passo antes de cair do penhasco. 4 e já se perde sufocado. 3, 2, 1. Aqui vamos de novo...
É amor, ainda nos arrastamos nisso, ainda choramos com isso. Já não é mais feliz né? Eu sei. Todos sabemos.
E já não nos amamos, não nos queremos felizes, não queremos o toque um do outro.
Então amor, deixa que me afogue nesse copo, deixa que me queime na brasa de outro cigarro.
São mais reais que nós dois.

Esse não foi um ano fácil. Deus sabe que não. Começou e terminou com incertezas. O menino que entrou o ano pensando na vida, passou o ano confrontando o homem que já deu os primeiros passos num caminho sem volta. Esse menino aprendeu a se virar, a fazer arroz, temperar carne. Aprendeu a perguntar onde fica, aprendeu a encontrar aquilo que precisava. Tentou aprender a lidar com o dinheiro, mas esse ainda parece um bicho complicado de se dominar.


Esse menino viu tanta coisa. Luzes, escuros, cheios vazios. Se cortou no estilete, rasgou os papéis e quebrou uma, duas, mil pontas, de lápis, lapiseira, de coisas. Esvaziou garrafas. Tantas que poderia se afogar no alcool que consumiu, seja porque sentia uma alegria tão enorme, seja porque a tristeza era demais pra se suportar sóbrio. Aprendeu a lidar com a saudades, ou não. Ao menos descobriu que a saudades não é assim tão ruim.

Redescobriu sua família e pode lembrar de que sempre os amou. Sempre. Mesmo quando duvidou disso. Ele perdeu amigos, manteve aqueles que realmente importavam, mas mais do que isso ganhou tantos outros. E sem eles parece que esse ano não teria sido tão intenso.

Cresceu. Cresceram os cabelos de novo, cresceu a barba. Se encontrou. De certa forma. Pensando no que passou, consegue ver que já não é mais o mesmo. Sentiu nas intensidades tão distintas que mudou, que se fortaleceu. Viu que pode correr atrás do que sonha, viu que consegue. Não aprendeu a voar, não, mas aprendeu a tentar. E não quer desistir, nunca mais.

E ele não vai fazer votos pro ano que vai chegar. Provavelmente não. Mais uma vez ele só quer agradecer, quer dizer o quanto ama e como sente-se feliz. Ainda que tenha se afundado na lama em diversos momentos, ele é feliz e ele sabe disso. E assim quem sabe, o menino finalmente estará pronto pra deixar que o homem trilhe o caminho certo.

Existem outros mundos mesmo...

Só nasci pra fazer as coisas sozinho, pra ser assim eu mesmo. Porque não posso me importar sem retirar espinhos e cravá-los em mim. Se me preocupo, me perco. Não posso seguir em frente pensando em lágrimas que caem por mim, então é melhor que elas não cheguem a cair.


É isso. Meu problema de apego, que é sempre substituido pelo do desapego. Porque se me apego, logo vejo que já é hora de partir, que não sou mais suficiente e que outra relação mal começada vai acabar seguindo pra um outro final. Um final pior.

Nunca é fácil, assim como não é fácil chamar brasa de gelo. Ainda que pareça não me divirto com isso e nunca sei como fazer. Então deixo que siga o próprio rumo trágico e só retiro as arestas pontiagudos. Corto aquilo que deixaria marcas fundas demais pra disfarçar.

E supero. De um jeito ou de outro, deixo que vá de mim e me recomponho, me faço novo. Deixo essa tristeza descansar no meu peito e sigo rindo das velhas piadas. Assim mesmo, fingido, esquecido, morno e esfriado. A pele de alguém que se cansou.

E me ver de novo como um grande pedaço de nada no sofá já não é tão incomodo. Não é reconfortante me pegar assim de novo, morto, em pedaços estilhaçados pelo chão da sala, mas já não dói como doeu no começo. Me acostumei a empurrar os cacos pro lado, ou a deixá-los exatamente onde estavam, já não mereço mais a auto-piedade do garoto que se culpava, nem posso carregar o orgulho do homem que acredita que fez tudo certo.


E quem faz tudo certo?

Fico assim então jogado a sorte de alguém que não posso reconhecer no espelho. Dilacerado e inconformado de amores retribuídos no escuro de escuros que luz nenhuma consegue afastar. Porque me entreguei de novo a antiga mania de não deixar amar, não amar, não querer ser. Sou o bom e velho egoísta que cometeu os bons e velhos erros. E que não pode deixar de cometê-los porque sente que é neles onde encontra realidade é nos seus erros que pode ver a verdade sem temer. Porque erra sozinho e erra por si próprio. Erra pra assumir que errou, levantar a cabeça e errar de novo. Erra porque assim pode deixar um pouco de si num mundo e numa vida que nunca serão suas. Erra e chora porque assim encontra a humanidade que disseram que ele tinha.

Com o tempo aprendo sobre viver e sobre existir, sobre estar. Com o tempo me desapego de mim e consigo olhar o estranho que tenta me convencer de que nunca fui as coisas em que acreditei. Com o tempo, só com ele, aprendo a deixar. E deixo...

Era um desses dias que eu estava decidido a não falar sobre nós dois. Tinha dito que beberia e esqueceria de mim. Bebi e lembrei de você. O problema é que te amo e isso é realmente uma droga. Droga alucinógena, pesada, que queima minha garganta, destrói meus neurônios. Sou um viciado. E como todo viciado é no ódio que sinto por você que encontro forças pra sustentar tanto amor. Sinto uma tristeza se espalhando por mim, tomando conta dos meus sentidos. Maldita. Queria te cortar fora como um pedaço de unha, queria te amassar como amasso meus poemas de mal gosto, queria te apagar como apago meus rabiscos mal riscados no papel. Maldita de novo.


O entorpecimento logo passa, você é jogado na gostosa depressão de sentir a merda daquilo que fez. E sabe que vai procurar por aquilo de novo. Ah como quero me livrar de você. Ah como quero seguir. Maldita. Maldita, maldita, maldita. Estou cansado, sofrendo porque não sei o que fazer com nós dois. Pegue, leve essas lágrimas de um velho exausto que não aprendeu com a vida como agir. Acabarei confortando minha dor em seus abraços de novo. Secando o tormento no seu cabelo. Me decepcionarei de novo. Maldita.

O alcool correndo

Arrastando minha emoção
Fervendo meu sangue
Queimando.

A irrealidade de estar de novo
Assim, fugindo do que me assusta
Daquilo que não me deixa,
Dormir, sonhar. Acordar.

É o entorpecimento
Que me impede de cair
Em coma. De não sair dele.

Saber que não preciso enfrentar
O mundo todo dia
Que tenho pra onde fugir,
Tenho como não andar pisando na merda.

E você me culparia por isso?
Seria eu um delinquente?
Ou seria você um hipócrita?

Ponha sua cabeça no travesseiro
Durma seu sono sóbrio
Deixe que na sarcástica ilusão
Eu possa ver meu caminho.

Não sei se é por medo. Se é puro egoísmo. Se é impaciência, auto-sabotagem, menosprezo. Mas sempre deixo que as coisas passem. Coisas, pessoas, minha vida. Escondido atrás de preocupações empáticas, tento encontrar razões reais pra não enfrentar. Razões pra poder fugir. Mas de novo acabo perdendo...


"Mas ela escolheu ficar comigo. Tenho que respeitar a opinião dela..." - Phoebe (Friends)

Pelo menos dessa vez espero ter feito o correto. Espero tanto...

E se pudesse desejaria felicidade. Ia querer que ela se libertasse da presença constante dele no seu coração e seguisse a vida. Não era indiferença da parte dele. Só não se sentia no direito de ter o controle sobre o amor que ela sentia. Ele não queria ser responsável por aquilo. E não era por falta de amor, porque deus sabia quanto amor ele guardava dentro dele. Era só inabilidade. Queria que ela fosse porque não podia dar a felicidade que esperava que ela tivesse. Mas como desejaria felicidade pra ela, como esperaria que ela encontrasse isso em outros braços se seria o mesmo que se banhar em uma poça de veneno e amargurar o doce sabor da perca? Como ele diria "então vá, baby, encontre os segredos do mundo, vá sem mim e nos braços de outro encontre aquilo que não quis te dar"? Como ele diria isso, se ela era o ar e a água, se naquela menina ele encontrava razões para se desafiar a sair da cama nas manhãs nubladas, fazer o café e dizer bom-dia. Era nela que pensava quando construia castelos no ar e elevava casas na areia. Quando mobiliava quartos de paraná e rascunhava blocos vazios tentando encaixar existências tão afim. Se quando ele trocava o tênis ao sair era só porque ela não gostava do seu tênis velho e confortável. Se ele largara os cigarros porque ela ficava com o nariz vermelho e a voz enroscada. Se ele deixara de lado seus filmes bobos, porque com ela entendia aqueles filmes sem sentido. Não mudou por ela, só se adaptou. E como deixaria a adaptação de lado pra mandá-la embora. Não queria o amor dela, mas não sabia como viver sem ele. Não queria se responsabilizar, mas há muito já a tinha cativada, acuada. Tinha se cativado e por ser frio demais pra aceitar desejava que ela o deixasse com seus motivos pra não querer viver. Ela o enchia de uma força que ele gostava de ter perdido.

Tenho a mente cheia de merdas

Envenenada pelas doenças de minha geração
Geração que supera o moderno
Sem se modernizar

(Que se considera contemporânea
Vivendo das glórias do passado.)

Tenho a memória cheia de lapsos,
Criados pelas drogas de todos os tempos
Drogas radioativas, raivosas
Nervosas em seu novo passado.

Tenho a cabeça perdida em pensamentos
Que agem como balas
Perfuram ideias, explodem conceitos
Abusam das lentas novidades.

Tenho a alma fraturada pela vida
Rasgada, queimada, desonrada.
Nas inspirações e nas expirações
Em cada movimento torácico.

Maldito corpo flagelado
Morto e vivo
Desencontrado em seu caminho
Andante de um mundo que não escolheu pra si.

(triste sorriso que se desembaraça
num dia tão nublado)

Estava sentado no meu sofá, pensando. Pensei nas coisas que aprendi e nas que eu deixei de lado por acidente ou de propósito. Vi o tempo passar, mais rápido do que eu estava acostumado. Vi tudo correr, em velocidades que não pude acompanhar. O mundo quis rodar, tudo enquanto não saí do sofá.


É uma insegurança confusa. Cansar de falar de você e não ter mais nada pra falar. Recusar-se a contar suas histórias e ver que não tem nenhuma pra ouvir. Olhar pro mundo humildemente e sentir que não era bem aquilo que você pensava. Esse turbilhão de pensamentos incoerentes te levaram a lugar nenhum e agora você se pergunta se pode continuar. Se pergunta se consegue seguir em frente...


Não é mais aquele desespero dos 15 anos, não é aquela preocupação infantil, não é aquele medo do novo. Você foi insistente o bastante pra concretizar aquilo que desejava, mas já não vê mais aquela força que existia, aquela vontade, quase necessidade de ir atrás dos planos feitos. Você conseguiu. Chegou lá. Mas nunca pensou no que faria depois. No que faria durante.

Esqueceu de planejar o percurso e agora tá aí, sentindo que não tem mais chão. Pois se não tivesse nem pensado em planejamento, se não precisasse prever e conseguisse ser espontâneo, se soubesse lidar com esse mundo que é cruel, sim é cruel, mas ainda assim é carinhoso o bastante pra te carregar em posição confortavel, talvez não achasse que está fazendo errado. Talvez conseguisse ficar feliz apenas por momentos.

Mas não. Esse é o desespero do adulto que cresce em você. É o homem que não mais tenta te convencer, mas grita e se impõe. E isso sim é cruel. Você não entende o que ele diz, você não entende porque deve obedece-lo, você ainda pensa que é uma criança, mesmo que até o seu físico diga o contrário. Você tenta reconhece-lo e não enxerga nada. Ele é você e você não consegue acreditar, desafia.

Ele ri.

E logo, vocês acabam concordando.

Tá bom baby, eu saio da sua vida. Pelo menos me tiro dela. Mas não é assim que você se livra de mim. Vou ficar na suas músicas e vou tocar na sua playlist. Vou cantar nas letras das bandas que você aprendeu a gostar e vou dedilhar os acordes da marcha fúnebre desse caso mal começado. Pois você vai seguir na "estrada do inferno" que eu tratei de sinalizar.

Vou aparecer de figurante nos filmes. Vou estar sentado do seu lado do cinema. Você vai me procurar e não vai encontrar. E vai ser assim, díficil e dessa vez mais do que em todas as outras vou gritar aliviado que a culpa não foi minha, que as decisões erradas não foram minhas, que as ilusões criadas não foram alimentadas pelo meu espírito insensivel.

Se tivesse dito que te amo, se tivesse apostado mais alto. Mas isso nunca aconteceu.

Sim, esse sou eu sendo egoísta, sendo infantil, sendo miserável. Esse sou eu negando seu amor e dizendo que fiz o possível pra acreditar que dava. É mas não dá. Então, você vai se entregar a outros amores e espero que ache um que te satisfaça. Que satisfaça seu senso de maturidade e sua vontade louca de aventuras inexistentes. Esse não sou eu.

Mas no fundo, sou um fraco que quer te ver feliz. Mas agora bem longe de mim.

Tentou não cobrar as velhas promessas e se manter afastada do telefone. Não discou os números, nem ouviu o recado da caixa postal. Tratou de lavar o rosto e tirar a maquiagem. Decidiu por tomar um banho, trocar a calcinha. Lavar o cheiro da última vez. Percebeu que chorou a toa e sorriu pro espelho. No quarto, se perfumou. Secou os cabelos, se arrumou. Sorrindo pro espelho, tinha sobrevivido.

Só que sobreviver não é esquecer. Fora a última vez. Um "nós" já não existia faz tempo, ambos já sabiam. Ainda que doesse menos, doía. Não atendeu as ligações, apagou os e-mails, recusou as flores. Bebeu um pouco, fumou um pouco mais. Clareou suas ideias, criou poemas pobres e desenhos rabiscados. Fez o que pode pra aquietar a memória.

Saiu. Encontrou em outros braços o alento em outros sexos alivio em outras bocas calor em outros risos outras pessoas. Mas são sempre outros. Então decidiu estar sozinha. Decidiu tantas coisas, achou que tinha perdido o coração. Mas percebeu que na verdade, havia esquecido-o em outro lugar. Foi procurar.

Usou a chave que não devolveu. Dentro do apartamento, procurou pelas mesas. Vendo que não ia encontra-lo por ali, olhou as gavetas, no meio das meias, das roupas de baixo. No guarda-roupa. Sentindo o desespero, ou no mínimo começando a se preocupar, olhou no banheiro, na pia, no ralo. Não achou. Ouviu a porta se abrindo e o que tanto evitou acontecendo.

Olhou nos olhos dele e viu sua memória acordar. Ouviu da boca dele e finalmente obteve a resposta pro que lhe afligia.

-"Tá na geladeira. Quando você saiu pela porta, dizendo que não voltava, não sabia o que fazer. Ainda tínhamos algo, mas nunca julgamos direito. Quando você saiu pela porta, fui pro quarto. Vi cacos. Cacos por todos os lados. Nas fotos. Nos livros. Achei cacos enquanto tomava banho. Pedaços embaixo do sofá, nos bolsos das minhas roupas. Foi difícil juntá-los. Confesso que pensei em desistir e procurei por outros que estivessem inteiros. Mas não podia ter nenhum, se já não tinha nada a dar em troca. Então continuei. E consegui. Quando o vi inteiro de novo, mesmo com as marcas, sabia que ainda existia algo que podia nos fazer feliz e sabia que você viria buscá-lo. Então coloquei lá no fundo da geladeira. Tive medo que ele apodrecesse e eu nunca mais conseguisse arrumar. Tá lá, guardado, esperando a dona."

Sorriu de novo. Não se impressionou. Tirou da bolsa aquele que tinha levado consigo e devolveu pro dono. "Toma, é seu...". Foi até a geladeira, pegou aquilo que era dela. "Que bom que o arrumou, que bom que ainda acreditou em nós. Mas isso já não existe."

Saiu pela mesma porta que entrou. Dessa vez devolveu tudo. As chaves, o amor. Não levou nada dali consigo, a não ser o que já era seu. Sorria satisfeita, calou a memória. Se livrou daquilo. Agora, tinha de novo o que precisava pra seguir em frente. Se alguém morre aqui é só o brega do amor. Que sempre pode nascer de novo...

Hoje acordei tomado por uma tristeza insana. Petrificava meu coração. Estava presa em meus pulmões, sufocando. Nas minhas juntas. Era uma sombra pesada no meu quarto. Um caixão negro deitado ao meu lado, em minha cama. Hoje fui invadido por uma tristeza alucinada. Doía em cada parte do meu cérebro, ardia em meus olhos. Era tanta tristeza, que achei possível morrer dela.

No hálito da boca seca me levantei. Corri para o banho, tentando lavar o betume que assolava meu espírito que destruia minha alma. Deixei que a água corresse pelos meus pés, que lavasse minhas mãos, que tirasse de mim a sujeira que aquela tristeza doentia ousava deixar. Fiquei tempo suficiente para enrugar a pele de meus dedos e nem assim consegui me livrar de tamanha agonia.

Estava nos meus ossos, nos meus músculos, em cada célula, tecido, orgao e sistema.
Inexplicável sensação de impotência somou-se a anterior e descobri que já não tinha condições de me concentrar, que não conseguiria ser eu mesmo. Não sabia de onde surgia. Nas manchas vermelhas que deixei pelos cantos na confusão do ato demoníaco, nada de história havia para eu ler. Era apenas manchas de algo que lavei no chuveiro, mesmo que não bem o bastante pra tirá-lo de mim.

Acordei tomado por ela por motivos que não poderia descrever, que não teria forças ou coragem suficiente para contar. Se me chamasse de monstro, hoje o sentido estaria claro. O monstro que fui é aquele que me consome hoje. Acordei em meu próprio inferno. Ou pago pelos pecados numa prévia de purgatório. Tristeza dilacerante, carnívora, putrificando minha carne, estampada em minha pele. "Não foi de propósito baby, nunca é!".

O machado. O toque. O doce barulho. A loucura doida e insana de um instante de desespero, um instante de frustração. A morte e a satisfação instantânea, o sono, o onírico. Garanto baby, doeu (e ainda dói) muito mais em mim.

Não sei porque ainda brincamos disso. Me pergunto se alguma vez foi engraçado, se alguma vez foi prazeroso. Perdemos algo muitos quilometros atrás e sinceramente não sei o que foi, mas não somos mais os mesmos. Não conversamos como conversavamos e nossos assuntos logo nos levam a buracos que não queremos mexer. Não conseguimos nos olhar direito pois ambos sabemos que devemos. Devemos muito um pro outro. Não bastariam mais cervejas na mesa do bar, almoços na casa da mãe, desculpas nos e-mails e mensagens que nunca são respondidas. A gente se perdeu no caminho que decidimos trilhar sozinhos. Não é falta de amor. Não é falta de carinho. É distância. É essa vala entre nós, que não se representa em quilometros ou horas que demoramos pra nos ver, mas sim em coisas que não podemos pesar, que não são calculáveis. Se fossem só as discussões sobreviveriamos, se fossem diferenças de opiniões, se fosse falta de preocupação. Se quisessemos mesmo. Mas já perdemos a vontade... então não tem mais pra que fingir. Não existem mais motivos pra dizer que sente saudades, ou perguntar se estamos bem. Sabemos que estamos. Agora talvez nos reste o tempo dizendo o que não conseguimos ser. Os anos que carregaremos tentando vencer uma batalha perdida. Exaustos por uma guerra impossível. Vamos ter que aprender a conviver com aquilo que o outro não é mais, com aquilo que nunca vamos chegar perto de ter de novo. Altos e baixos vao sempre existir. Mas lá no fundo é tudo que teremos. Não vamos mais chorar um pelo outro, uma hora as discussões vão parar, tudo vai ser adequado, todas as aparências serão mantidas, todas as fachadas conservadas, todas as ilusões equilibradas. Mas aquele laço é pra sempre. E isso não pode ser ruim. Que não nos falte coragem.

Fico te procurando. Não te encontro.
Busco você do meu lado. Minhas mãos esperam encontrar as suas, meus braços querem se enroscar no seu corpo. Quero dormir do seu lado.
Mas, cadê?
Não sei nem se te conheço. Mas te busco. Porque preciso de você.
Então menina, se me ver na rua, se trombar comigo, diz que finalmente achei.
Se estiver conversando comigo, se me encontrar na livraria, diz que é você.
Se sentar do meu lado no cinema, se eu estiver com a mão no seu seio. Diz de uma vez: "sou eu".
Se estiver me lendo, ou se ler o velho safado.
Se estiver me vendo ser idiota. Grita logo que era você que eu procurava.
Se eu te der um fora, se você me der um tapa. Conta pra todo mundo e me faça saber.
Não quero mais ficar procurando e me perder em braços que não serão meus, em beijos indiferentes. Não suporto mais procurar nos sorrisos falsos e no sexo insosso.
Então baby, pára logo de me ignorar. E me faz saber.

Deixe que essa criança cresça livre. Deixe que ganhe o mundo.
Encha-a de cores, de texturas de sabores.
Deixe que a roupa dela fique suja, deixe que ela brinque com a comida.
Sorria com o brilho dos olhos dela. Sorria com o sorriso dela.
Não destrua os sonhos.
Deixe que eles fluam e faça com que ela desenhe.
Ensine-a a gostar de ler. Mostre esses mundos novos.
Deixe que ela chore e as vezes a faça chorar. Será necessário.
Mas tenha cuidado. Ela precisa de alguns "nãos".
Ela vai quebrar um ou outro osso. Cuide dela.
Ajude-a com as músicas. Acima de tudo não imponha seus gostos.
Ela vai dançar em círculos.
Faça ela sentar de índio. Deixe que ela tenha amigos.
Deixe que esses a influenciem.
Tenha ponderância.
Deixe ela ser um super-herói. Deixe que ela cresça crendo nisso.
Ao passo, ensine-a a fixar os pés. Mostre-a como andar.
Se ela se tornar um sonhador, seja sua realidade.
Ela vai te amar. Vai te odiar. Vai te amar de novo.
Deixe que ela seja criança.
Ela vai ter um futuro, ela será um bom adulto.
Ela vai precisar sentir medo.
Você vai ensiná-la a ter coragem.
Ela vai urinar na cama. Você a ensina a não fazer.
Talvez, ela tire sua paciência. Pense mais um pouco.
Não crie um monstro. Não crie uma máquina.
Crie um ser humano.
Ela vai precisar de sentimentos. De abraços. Beijos.
E um dia vai precisar de mais.
E quando esse dia chegar, quando ela desistir das asas.
Quando não usar mais a roupa de pirata.
Quando pedir as chaves do seu carro e quando bate-lo.
Quando quiser falar sobre sexo, camisinha.
Quando ela deixar de ser sua criança, deixe-a ser seu adulto.
Ela vai precisar de você ainda.
E você, é bom que esteja lá pra ela. Um dia, a criança será dela.

Ah se solto esse sonhador. Se deixo esse meu espírito aventureiro, desgovernado. Ah se não controlo esses planos e devaneios, se me deixo levar pelas minhas crenças, pelos meus complicados e sublimes sonhos.

Ah se eu não acreditasse tanto neles, se perdesse a fé e desistisse deles e deixasse eles ganharem vida, tomarem forma, aprenderem a falar e seguirem o mundo por si próprios, ah como seria. Seriam tão maiores e tão mais esplêndidos.

Mas controlo-os. Seguro esse crente que existe em mim. Esse sonhador que se ilude com o mundo que o cerca, que se engana com seus iguais e se enche de emoçao quando vê uma centelha daquilo que acha que é verdade acontecer.

Esse cara que gosta de palavras amigas e adora olhar o céu e que vê nas estrelas dimensões que nunca vão existir. Esse que enquanto dorme está acordado e se admira de fascinação enquanto mantém os olhos abertos.

Parafraseando a parte, mas seguro esse pássaro azul. Dele tiro forças pra continuar seguindo e ele tira de mim as cores pra pintar seu proprio mundo. Simbiose tamanha que não existimos sozinhos. Que bom que ainda sorrio.

Brincava de não ver a poesia e não usar de lirismo. São mais fortes, mais felizes esses que não enxergam tristeza e nem drama a não ser que estes pulem nos seus olhos. Mas perdem tantas cores. Antes de pensar em coisas como essas, via o mundo sem graça e cinza e nem precisava me preocupar. Ele era bom e justo daquele jeito.

Mas pensar é um fardo tão sem graça. Ver um sentido diferente é tão dolorido.

Só que uma vez que você conhece esse outro mundo, uma vez que você pensa e o entende em uma fagulha, essa única vez é suficiente. Diga adeus a seus amigos, adeus a seus familiares. Aprenda a viver com sua sombra, aprenda a gostar desse novo mundo. Uma vez visto é suficiente pra te transformar.

E é assim, quase simples. Quase imperceptível.

É a sua percepção que mudou. Seus sentimentos que encolheram, sua fome de conhecer que aumentou. Quer ter o universo preso em uma gaiola. Quer ter todas as dimensões presas na cabeça. Admita que você gosta de ser infeliz. Gosta de sentir esse prazer amargo de não ser mais um naquele mundo cinza.

Aí pare e reflita de novo. Pare e preste um pouco mais de atenção.
Só não queira deixar de viver.

E quando eu parar de fingir que te amo?
Quando cansar de alisar seu cabelo,
Massagear seus pés,
Beijar suas orelhas
E morder seu mamilo?

Diz que vai sentir minha falta,
fala que se arrepende
das palavras rasgadas,
dos tapas não dados,
da vida míseravel.

Grite, grite mesmo
Piranha sem emoções
Grite e esperneie
Na rua, na calçada.
Ah, se eu fingisse...

Mas mantenho tudo assim
Sigo te amando.
Sentindo o gosto do seu lábio,
Acordando com seu olhar.
Seguindo.

Acho que nunca disse que já chorei com suas palavras. Nunca contei as lágrimas e o tempo que fiquei perdido em meus espamos. Não, nem sempre foi de tristeza. Vezes e vezes foi medo. Várias outras vezes foi só alguma emoção desentendida, desnaturada.

Mas às vezes me senti esfaqueado.

Não baby, acho que você não foi assim tão cruel. Eu é que não soube avaliar a situação, não soube guardar meu espaço e muito menos os meus segredos. Acreditei tão rápido em nós, gostei tanto da gente, que desisti de pensar. E não é bom deixar a racionalidade de lado. Eu deveria ter pensado mais.

Ok, superemos. Dessa vez sinto que posso te podar de mim. Se ainda choro com suas cartas e suas palavras dissimuladas e suas metáforas vazias e suas hiperbóles pleonásticas é só porque ainda lembro. Mas lembrar não me faz te querer te volta.

Então por favor, passe em casa, pegue suas coisas. Leve seus livros de auto-ajuda, leve seus CDs do Hendrix, deixe os meus do Elvis. Leve seus DVD's de Woodstock, deixe o meu da Janis. Tire sua escova de dentes do espelho do banheiro. Tire seus cabelos do ralo. Leve suas meias com você. Deixe uma calcinha pra que eu possa me gabar de ter tido você às vezes. Tire suas canecas da pia. As que estiverem sujas deixe. Lavo e mando elas pra você. Não esqueça sapatos, nem brincos, nem jóia alguma. Tire o que for você naquela casa e deixe o que for eu. Seus cadernos. Não quero que seus rabiscos me atormentem pela madrugada. Deixe que eu sinta o vazio de ser eu mesmo de novo. Ah baby, tenta levar o seu número da minha agenda.

Não esqueça nada. Leve aquele vaso feio que comprou na feira de pulgas e leve o porta-retrato que me deu no natal. Só o porta-retrato. Queria que você conseguisse levar o seu cheiro, mas vejo que vou ter que cobri-lo com outros. Claro, leve seus perfumes.

Vou fingir que foi fácil não te ter mais lá. Quando acabar, deixe a chave na portaria. Diga adeus ao porteiro. Não me deixe recados no espelho. É baby, é assim mesmo. Vai ser melhor que seja assim. Das lágrimas que derramei pelas suas palavras restaram boas lembranças. Sobre as suas cartas, decidirei o que fazer depois...

Hoje senti o peso que senti aqueles dias de novo. Senti aquela tristeza de gosto amargo, ruim. Sequei a lagrima antes seca. Deixei fluir o tempo pra ver se tudo passava.
Achei que tinha esquecido dessas coisas, achei que nao precisava lembrar. Mas de repente tudo volta, tudo sempre volta. Te ver. Pensar sobre outras coisas. Marcas instaveis.
Levando minhas palavras em frases curtas vou tentando retratar esse silencio que me engoliu.
Desesperado.

É por ser insensivel. Por ser chato, desgostoso, por nao ligar, por talvez não amar.
É pela preguiça de escrever, pela falta de assunto pra dizer, pela falta de motivo pra morrer.

Não é de fingir saudades; é de não saber o que é mesmo. Falta não é saudades. Falta é costume, é hábito. Sinto sua falta porque você fazia parte do meu espaço. Sinto saudades porque sem você, tem um espaço vazio em mim. Sentir saudades não é sentir falta de alguém. É querer ter alguém por perto é lembrar de um sorriso é sentir a presença, mas nunca sentir o toque, não ouvir a voz.

É fácil sentir falta. Sinto falta de chocolate. Sinto falta de água, de cerveja. Mas não é saudades. Saudades é algo díficil e você não mata com um olhar. Sinto saudades de uns programas de TV, mas vê-los de novo não ia matar minha saudade. Sentir saudades é querer todo um contexto, um cenário e não poder se incluir nele.

Saudade não é dizer que sente. Saudade é sentir e segurar a lágrima. Saudade é fingir que está tudo bem, quando você quer mesmo é sair correndo e se jogar nos braços em abraço. Saudade é esquecer de alguém por um tempo e quando lembrar correr pegar o telefone pra ligar. Ligar e não satisfazer. Porque a falta é satisfeita com ideias. A saudade só é satisfeita com presença. Física, mental, espiritual.

Então não minta que sente saudades. Não se iluda, nem me iluda. A gente preenche nossa falta.

É de amar e sentir saudades
De gritar e não ser ouvido
De ficar mudo
Ah, se não é de dor
É de sentir todo o mundo

É de correr pro bueiro
De andar na lama
De ter areia no tênis
Se fosse fácil
Não seria assim tão assim

É também de chorar
De dormir sozinho no sofá
De sorrir prum copo d'água
Ah, é de gargalhar
É de não achar graça

Porque se é de amar
É assim mesmo
É tudo e nada
Tudo ou alguma coisa
Nada e muito
É sexo
É drogas
É rock, samba, é silêncio
Um gemido no escuro
A mão cruzada na praça
O dedo no lugar errado
A boca no lugar certo
O riso no telefone
A palavra na cabeça
O nome pra chamar de seu
A pessoa pra chamar de minha
O recado na geladeira
A carta no fogo
O choro na cama
A piada no cinema
O filme de duas vidas
A coisificação em uma
O perfumo na camiseta
A calça no chão
O pensamento longe
A vontade tão perto
O lugar do começo
A tristeza de um final.

É pra matar de morrer e não é pra fazer nada. Não faça nada.
Não pense, não raciocine. Não racionalize. Não eduque-se.
Brinque. Se machuque. Não se prenda na merda da sua vida, não arrisque seu tempo na frente de uma tela. Não viva nos filmes, não se alimente dos livros, não durma com suas revistas.
Abrace. Abrace e sinta. E se não sentir não deixe de abraçar. Por favor, não desista de ser humano. Não, não é uma defesa de raça... é uma defesa de pessoas. Não é um texto de auto-ajuda, não é um e-mail, não é nada de bom. É uma súplica, não se esfrie.

E se no final você amar por dois (como diz a música), chore e esperneie, morra de novo. Se achar que deve, se mate. De verdade, sem literalidade. Se mate. Mas morra como alguém que amou e como alguém que viveu. Morra sabendo que existiu. Não passe a toa na merda do mundo, não seja uma merda maior do que a que você já nasceu sendo. Finja que mereceu viver.

Porque essa é de amor.

Desacostumei com a solidão mas não me acostumo com o público. Desaprendi a ser meio quieto e não aprendi a ser assim, meio barulhento. Ainda me assusto com pessoas e ainda assusto pessoas. Não porque sou estranho, nem porque sou diferente, nem porque nenhum.

[de repente, continua]

E de repente tudo é sobre mudar.

É sobre mudar de cidade e mudar de casa.
Mudar de escola e mudar de curso.
Mudar de filho e passar a ser o universitário, passar a ser o cara que mora sozinho, o cara que estuda arquitetura, o cara que não come direito, o cara que anda com a roupa amassada.
Mudar e deixar as mauricices. Trocar de família assim. Daquela de sangue que te dá de comer, praquela de nome que te dá de beber.
Mudar e deixar isso vísivel, mudar quem é, com medo de acordar e não se reconhecer. Mudar de um pra ser um e nunca ser o mesmo.
Mudar sem me perder em mim mesmo. Mudar porque é preciso. Mudar porque existe o medo. E o medo até mesmo de mudar.
Mudar, mudanças, mudas e mudos. Deixar quase tudo por uma palavra. Palavra que se joga no colo de outra. Mudar dorme abraçada com futuro. Mudanças andam de mãos dadas com o que está por vir.

Mudei, sim. Mas não foi tanto.

Mas nem tudo é mudança. E levo coisas ótimas, que não vou deixar mudarem.
E pessoas ótimas, que nunca vou mudar de mim.

Se eu queria deixar tudo isso? Acho que não. Posso odiar muita coisa, mas sei que amo muita coisa. Em momento algum queria deixar meus amigos, minha casa e etc. Mas eu vou.
Hoje sei que por motivos menos egoístas. Vou porque será melhor. Vou porque é minha chance. Vou triste, com saudades, vou querendo ficar.
Mas a empolgação me faz alegre. Minha ansiedade me empurra pra nova fase e o medo só me dá mais forças pra finalizar aquilo que comecei.
Não deixo meus amores e nem levo rancores. Não quero perder nenhuma amizade e quero menos ainda amar menos quem eu amo. Quero sentir saudades e voltar pra dizer.
Quero chorar de abandono e sorrir quando chegar e for abraçado.
Vou pra viver a minha vida, mesmo deixando uma parte dela aqui. A maior parte.
Deixo com quem não vai comigo minhas lembranças e espero mesmo que possa voltar sempre pra vocês, porque eu quero vocês pra sempre comigo.
Se vou, quero voltar melhor. Melhor que ninguém além de mim mesmo.
E se sofro agora pra ir e recusar me arrepender é porque espero ter um lugar pra voltar. E ter quem encontrar quando voltar.

Aprendi a amar aqui. E é praqui que sempre vou voltar.

-dedico as pobres palavras a meus amigos. Em especial a Rô. Se não desisti dos planos, é porque você tava lá pra me apoiar. Te amo, e é assim-
-também vai pro pai e mãe... mas com eles a história é outra-

Eu não sei como é não pensar em você. Ficar sem criar situações e ilusões pra te ver. Não sei como não ter você. Dói. Eu também não sei como te ter. Não sei mais o que fazer pra trazer você pra mim. É um querer tão não querendo que às vezes acho que só me engano. Mas posso me enganar tanto a ponto de acreditar que é tudo verdade e que é tudo maior que eu? Maior que nós.

E a gente tá sempre querendo se ver. Sempre se querendo. Sempre se devorando. Mas a gente nunca ta junto. Mas eu quero. E você também.

Parece que em algum momento, a vida te põe em um lugar e te dá duas opções de caminho. Uma placa indica o caminho do futuro, o caminho que vai te levar a ser uma médica, um engenheiro, uma prostituta ou um viciado. O caminho do futuro é o mais complicado e se for feito com cuidado te levará pra algo bom, mesmo que esse caminho se bifurque em tantos outros.

A outra placa aponta pra felicidade. Não uma felicidade programada de um ser adulto, que no caminho do futuro aprendeu a ser feliz com aqueles que pegaram o mesmo caminho e nunca vai perceber que é tudo uma mentira. Não, não é esse o caminho da felicidade. Esse outro caminho vai te levar pra sua felicidade infantil, praquela parte do mundo que você imaginou quando era pequeno e sempre quis acreditar que podia ser real. Nesse caminho criam-se os heróis, os ditadores, os hippies e os diretores de criação.

Ambos os caminhos vão estar cheio de fracassados caídos no chão. A diferença é que de um lado os fracassados vão estar fantasiados de escritores falidos, teoristas da conspiração e caçadores de ovnis. Do outro lado você vai ver mendigos desesperados, que perderam família, emprego e agora não sabem mais quem eram.

Nem todos vão ter tempo pra chegar no fim dos caminhos escolhidos. Ah, na verdade quase ninguém. E muitas vezes esses caminhos são maiores ou menores para uns ou outros. Mas ambos tem suas injustiças e nenhum deles garante que você vai ser mais ou menos feliz. Na verdade a felicidade é a única desgarantia do mundo. Se tem algo que você não pode contar e muito menos deve ficar colocando em metas é a droga da felicidade.

Mas não sei quando a divisão se dá. E não sei se você pode fingir criar outro caminho e se você conseguir, por favor, diga como fez. Porque eu quero acreditar que não preciso fazer uma escolha desse tipo e que as coisas não são assim tão cruéis.

Ele disfarçava seus desamores com os sorrisos de um perdedor vitorioso. De olhos fechados encontrava ela e elas. Mas disfarçava ainda mais ela nele. Dando tempo ao tempo que não passava, carinho praquelas em que tropeçava e mentiras pra que todos pudessem dormir a noite.

E os dias nunca passavam quando pensava nela. Se estendiam pelas horas, se arrastando e grudando como uma névoa nojenta e descolorida. Pensava mesmo que iam ficar juntos ou só achava que era o que queria? Será que sentia?

Mal-humorado compulsivo, com irritações crônicas, ironicamente sagaz e perturbadoramente dissimulado. Com uma fome de amargor e desejo pelo impossível. Alimentaria-se dela, viveria dela e dela tiraria o que o fizesse melhor.

Sofria de um mal extremo. Desejava-a. Um desejo doentio de tão egoísta. Sabia que não queria dar felicidade a ela. Se quisesse não poderia. Mas queria felicidade para si próprio. Como tratar seu egoísmo adquirido na falta de sensibilidade?

Dessa vez a faca não viu sangue. Dessa vez a faca não viu nada. Ninguém viu nada.

Decidido, cortou todo amor de dentro dele. No fio da navalha tirou ela, tirou elas e deixou um grande vazio carnicento. Seguiu assim, vivo e morto, podre e limpo. Optou por não usar da sua vida e morrer de olhos abertos.

Quando morreu, nessa história não com um tiro nos miolos, uma lâmina no peito ou enfiada no estômago. Não, nessa história morreu de velho. Mas morreu tão sozinho quanto os outros. Nessa história, de morte prematura só o espírito. De amor só uma vaga ideia.

-Não ia saber quando você está irritada ou triste ou brava ou misteriosa. Não sei se saberia te fazer feliz, se te entreteria enquanto estivessemos juntos. Não sei se conheceria seus gostos, caprichos e se daria os presentes que você gostaria de receber. Penso se saberia ser pra você um bom companheiro, se poderia enxugar suas lágrimas e então te fazer rir. Se cozinharia carne e você seria vegetariana, se usaria alho e descobriria que você é alérgica, que serviria vinho e você diria que não bebe, proporia um suco e você iria escolher a água. Não sei dizer se diria o que você precisa ouvir, ou se seria muito cruel te dizendo minhas verdades, ou se seria muito omisso quando te cobrisse com mentiras bobas. Não sei se nossos corpos se encaixariam com perfeição e se nos daríamos prazer suficiente, não sei se chegaríamos a fazer sexo. Fico em dúvida quanto a que música ouviriamos no carro e em que lugares acabaríamos chegando com ele. Não sei se te veria entrar de branco e me encontrar no final do tapete vermelho, não sei se nos diríamos sim. Não sei nem mesmo se você veria em mim alguém pra ter ao seu lado. Se sonhariamos um com o outro. Não sei se repararia quando você mudasse o cabelo, se seria sincero quando você me perguntasse se engordou, se não me irritaria quando você se atrasasse pra sair. Não sei se te faria o café da manhã, se te indicaria livros, se acabaria tendo o seu nome tatuado, nos braços nas nádegas, nas pernas, não sei. Será que te faria cócegas até você perder o ar, será que você me daria tapas depois, será que me morderia. Não sei se brigaríamos pela tampa da privada levantada, não sei se você estaria lá pra ver esse erro. É, eu realmente não sei de nada... só sei que sinto algo por você e tenho medo que seja amor.

E ela sabia que podia ser melhor. Acordava todo dia, se via no espelho e acreditava. Sentia que não tinha se perdido, sentia tanta coisa. Nos últimos dias sentia mais. Se via mais. Como podia se odiar tanto? Como sentir aquele gosto amargo e não morrer?

Se questionava, duvidava. Aquele veneno nos pensamentos. Aquelas ideias doentias. Não, não. Não eram doentias. Se a fizessem melhor, como poderiam ser doentias? Mas sentia raiva e embaixo desse véu tudo parecia um pouco mais terrível, um pouco mais caótico.

Não foram seus relacionamentos que a tornaram assim. Não foram seus pais, não foi sua família. Não foi falta de dinheiro, nem talvez tenha sido falta de carinho. Não era falta de sexo e nem falta de humor. Era ela mesma. Eram os olhos que se encontravam quando mirava o espelho.

Aquele rosto magro bonito. Aquela pele lisa. Aquele cabelo liso. Eram os ombros secos. Eram aqueles seios presos ao peito. Era aquela barriga esculpida. Era aquela casca perfeita, guardando um fruto podre. Era a mente doente, no corpo saudável.

O café na mão era uma tentativa de aquecer-se. Talvez até de se manter acordada. Quão perfeita uma vida pode ser? Quanta perfeição ela podia aguentar? Aquela perfeição doía. A perfeição a tornava imperfeita. Precisava livrar-se daquilo.

Cigarros, álcool, drogas. Não, era ela demais. Era exata demais, polida demais. Deus, nem sabia mais se era humana. Alheia, invejava cada um que cruzasse seu caminho. Eles podiam ser o que quisessem, mas e ela? O que ela era? Por que ninguém podia saber?

As cartas que deixou não responderam suas dúvidas. Seus poemas, desenhos... nenhum deles chegou perto. Nem tão pouco a lâmina que cravou em seu estômago. Nem a dor que sentiu. O sangue pingando no chão... não chegaram nem perto.

A porta estava trancada por dentro. Ninguém a visitara. As cartas estavam arrumadas, na mesa, com fotos da sua perfeição. Na varanda, agora esfriava o corpo imperfeito. O rosto destruído. As unhas arrancadas. A adaga cravada exatamente no centro.

Um perfeito cadáver. Perfeitamente morto. Perfeitamente horrível. Perfeitamente exato. Ainda que em um último ato, lá estava ela, deixando seu corpo perfeito pra assumir os erros com sua alma perfeitamente eterna. Perfeitamente.

Foi o painel que te dei
E nunca vi na sua parede.
Foram os beijos forçados
Roubados sem vontade.
Foi meu riso sem graça
Tirado no terror.
Foi seu braço no meu pescoço,
A falta de ar no meu pulmão.
Foi seu "eu te amo tanto"
Respondido pelo meu "eu também".
Foi seu hálito de menta,
Lutando no meu perfume.
Sua calça apertada
Presa em suas pernas.
Sua pressa louca
E minha mentira boba.
Minhas mentiras bobas.
Minhas muitas mentiras.
Nossa grande mentira.
Nossa tragédia privada.
Fui eu que destrui tudo,
E sou eu que hoje agradeço.

Eu estava lá
Com meus cigarros e seus vinhos
Estava lá
Na minha calça rasgada,
Penteando meu cabelo mal cortado
Analisando minha barba mal-feita.

Jogado no sofá,
Lendo aquele que falava de nós
Deitado no chão,
Ouvindo os sons da casa vazia
Sentado na mesa,
Vendo cadernos com seu nome
Fotos coladas com fita.

Lá,
Sorrindo pro espelho
Me convencendo,
Me contendo.
Morto embaixo do chuveiro
Contando nos dedos as gotas.

Na cama sonhando comigo.
Na parede exposto com tinta.
Na porta pensando em sair.
Na pia, indo pelo ralo.
Na janela querendo pular.
Na rua tentando correr.

Mas pra sempre lá
Sem a vontade dos meus dias
Bons, sem abrigo da chuva
Em mim, sentindo apenas
O fim, simples como os seus
Beijos, que de mim já ausentes.

Vou me recompor e voltar
Encontrar o caminho na casa
Tirar o pó de nós dois e,
Dessa vez, não vou jogá-lo
Embaixo do tapete.
Vou juntá-lo e finalmente...

O que?
Finalmente o que, baby?

Tirando algumas coisas que escrevo aqui ou lá, não gosto de falar do que sinto. E não falo.

Falo muito do que penso, do que idealizo, mas na realidade nunca ponho muito do que sinto no meu discurso. Introvertido ou não é assim que parece ser.

Não é por não sentir, é só pra não declarar. Falo da raiva que penso que sinto às vezes, dos amores que penso que tenho, das ilusões que penso que me iludem e da vida que penso que levo. Mas não significa que sinta aquilo que penso demais.

"De tanto eu te falar, você subverteu
o que era um sentimento e assim
fez dele razão pra se perder
no abismo que é pensar em sentir..."


E por isso é melhor eu continuar distante.
É mais fácil não me envolver.

Percebi que fico esperando um ponto final. Porque eu acho que um dia vou estar em algum lugar, com alguma situação e ali, de repente, acabou.

Não sei se é, mas chega bem perto da morte. Não é uma vontade de morrer, é só uma questão de querer que acabe. Gosto muito da parte da história em que vivo, mas parece que eu to sempre esperando que termine.

Me acostumei com finais. Porque por pior que eles sejam parecem tão reconfortantes. Sigo um ponto qualquer bem à frente da minha existência e sempre acho que tudo que queria acaba ali. É uma meta de fechamento. É o apogeu. O fim. E ponto.

Sigo para lá, como se aquilo marcasse um antes sem precisar de um depois. Mas nunca chego lá, nunca encontro, então por isso suponho que este seja a morte. O descanse em paz do senso comum. E isso não é covardia. Pare de ler se você acha que é covardia.

Porque eu não tenho medo de viver o resto da minha vida. Não tenho medo de ver esse ponto se estender até minha velhice. Não queria, definitivamente esperava encontrar esse marco amanhã, ou depois. Mas se não encontrá-lo irei até o fim.

Ou até o ponto em que algo aconteça e eu finalmente entenda que a minha vida só faz sentido com um antes e um depois. Até o ponto onde eu esqueça que preciso chegar neles. Até o ponto em que você entre de vez nela.

E eu entenda que o ponto não marcava um fim. Mas só o começo.

Um péssimo amigo. Se definia assim. Dentro dele sabia que o máximo que podia dar pra alguém era algo daquilo que ele era. Aos poucos, se aproximava, amigavasse e quando via, olhava o amigo e se via no espelho. Se encantava com a possibilidade de entrar na pessoa, invadir cada espaço, vazio ou cheio, de poluir e sujar o coração. Quando via, tinha tanto de si naquele amigo considerado que se assustava.

Era realmente uma pessoa ruim. Amargo, ácido. Amarelo, escuro. Doente, louco. Chato, mesquinho. Ah, deus era belo, como era. Mas pecados deixam tantas marcas que era triste aquela face. Mas era interessante. Era um ser interessante como uma nova galáxia, quanto fusão de átomos, quanto um navio afundado. E quem não se interessaria?

Fácil era o modo de se induzir. Invadir e ao sair deixar um ser que não se conhece mais. Com o tempo, eram suas músicas, eram seus filmes, seus livros. Eram suas palavras narradas pela boca de outra pessoa. E não ficavam melhor. Eram tão ruins e feias, que seriam ruins e feias em qualquer pele, qualquer vazio.

Felicidade era poder destruir tantas essências. Não existia felicidade maior. E se fazia isso com outro, logo outro fazia com outro e com outro e com outro.

Um dia acordou e foi atendido por si mesmo. Pediu por um táxi e foi ele quem dirigiu. Almoçou e foi ele quem serviu. Olhou no espelho e já não reconheceu-se mais. Tinha tantos de si que a sua parte na história agora era obscura, confusa. Tinha se espalhado tanto pelo mundo que agora que o mundo era ele, ele já não se encontrava em lugar nenhum.

No desespero, se jogou de 13 andares. Enquanto caia se viu nas janelas, nos parapeitos, se viu nos carros lá embaixo. Notou-se em tudo que tinha feito, tudo que tinha tocado, tudo que tinha um pouco de si. Tocou no chão. Antes de deixar seu último ar sair, antes de saber que deixava a última parte de si ali, pode reparar que nada tinha de seu.

E assim morreu.

Acho que sempre erro nas minhas expressões. Não consigo me expressar como queria, faço parecer errado, faço parecer grosso. Se tenho alguma culpa, é nisso. Mas eu tentei me explicar, eu tentei mostrar o meu lado, tentei deixar as coisas pelo menos um pouco mais claras. Só que vocês teimam em não ouvir, vocês já me enquadraram num gabarito que não me encaixo, num padrão que não é real. Eu não sou desse jeito que vocês enxergam, não sou melhor do que isso e muito menos sou pior do que isso. Mas não sou isso.

É muito fácil tirar as próprias conclusões e enterrá-las fundo. Fechar os ouvidos e não querer escutar. O difícil é entender que "porque sim" não funciona mais. Porque sim não responde nada. Difícil é aceitar que existem perguntas agora. É difícil não olhar só pro próprio rabo e ver só seus próprios problemas. Eu não sei mais o que fazer... a sensação de esgotamento não passa, não sara. Queria poder pelo menos me sentir culpado, me sentir responsável por isso, queria entender os motivos, queria ter explicações.

Mas nem conversar a gente consegue... cada tentativa é uma tortura, cada palavra é um buraco novo, é mais um poço aberto, mais um iceberg a ser vencido, mais um penhasco a cair. E já não consigo mais enfrentar essas coisas. Só sinto vontade de me afastar. Antes sentir saudades do que sentir de novo esse amargo do ódio. Vou quebrar meus dentes se prender meu maxilar de novo, vou rasgar minha mão se segurar minha raiva mais uma vez. E não quero isso...

Eu conseguia lembrar de alguma coisa nossa e hoje me esvaziei de um jeito tão medonho. Apaguei as luzes e deixei um negro tão angustiante, tão monstruoso.

Queria desistir de vocês. Juntar minhas roupas, ir embora. De novo, pra sempre. Só ter de vocês os números no banco e isso enquanto não conseguisse desprecisar também. Manter as relações formais, essas que a gente se dá bem por duas horas e então volta cada um pro seu lugar... aí fingiriamos que é tudo como deveria ser, inventariamos uma familia pra cada jantar, pra cada churrasco e seria tudo como queriamos que fosse.

Mas não consigo. Então deixa me deixa com meu copo e com minhas ilusões. Lá no fundo dele eu me sinto melhor...
Porque não faz sentido a gente fingir agora que tá tudo bem amor. Esquecer as mágoas dos meses que fugiram e sorrir bobo desejando felicidade. Não faz sentido.
Olhar e trocar esse abraço seco de novo, abraço distante, fraco ainda que seja apertado. Ah amor, o que estamos tentando fazer?
Seca essa lágrima no olho e tira esse sorriso da cara. Pega logo essa vodka e bebe enquanto todos fingem que ainda se amam. Olha lá amor, que lindo teatro encenamos.
Não temos culpa de nada, só não precisamos mais fingir. Fingir pra que? Já não tenho forças pra isso, de novo. Até quando?
É na antiga contagem que sinto meu coração acelerar, irremediado e inseguro dentro do peito.
10 e ele vibra. 9 e sinto minhas veias saltarem. 8 e o entorpecimento se espalha. 7, mais um gole pra tentar não estourar. 6 prendes a respiração. 5 e aquele passo antes de cair do penhasco. 4 e já se perde sufocado. 3, 2, 1. Aqui vamos de novo...
É amor, ainda nos arrastamos nisso, ainda choramos com isso. Já não é mais feliz né? Eu sei. Todos sabemos.
E já não nos amamos, não nos queremos felizes, não queremos o toque um do outro.
Então amor, deixa que me afogue nesse copo, deixa que me queime na brasa de outro cigarro.
São mais reais que nós dois.

Mais uma de fim de ano...

Esse não foi um ano fácil. Deus sabe que não. Começou e terminou com incertezas. O menino que entrou o ano pensando na vida, passou o ano confrontando o homem que já deu os primeiros passos num caminho sem volta. Esse menino aprendeu a se virar, a fazer arroz, temperar carne. Aprendeu a perguntar onde fica, aprendeu a encontrar aquilo que precisava. Tentou aprender a lidar com o dinheiro, mas esse ainda parece um bicho complicado de se dominar.

Esse menino viu tanta coisa. Luzes, escuros, cheios vazios. Se cortou no estilete, rasgou os papéis e quebrou uma, duas, mil pontas, de lápis, lapiseira, de coisas. Esvaziou garrafas. Tantas que poderia se afogar no alcool que consumiu, seja porque sentia uma alegria tão enorme, seja porque a tristeza era demais pra se suportar sóbrio. Aprendeu a lidar com a saudades, ou não. Ao menos descobriu que a saudades não é assim tão ruim.

Redescobriu sua família e pode lembrar de que sempre os amou. Sempre. Mesmo quando duvidou disso. Ele perdeu amigos, manteve aqueles que realmente importavam, mas mais do que isso ganhou tantos outros. E sem eles parece que esse ano não teria sido tão intenso.

Cresceu. Cresceram os cabelos de novo, cresceu a barba. Se encontrou. De certa forma. Pensando no que passou, consegue ver que já não é mais o mesmo. Sentiu nas intensidades tão distintas que mudou, que se fortaleceu. Viu que pode correr atrás do que sonha, viu que consegue. Não aprendeu a voar, não, mas aprendeu a tentar. E não quer desistir, nunca mais.

E ele não vai fazer votos pro ano que vai chegar. Provavelmente não. Mais uma vez ele só quer agradecer, quer dizer o quanto ama e como sente-se feliz. Ainda que tenha se afundado na lama em diversos momentos, ele é feliz e ele sabe disso. E assim quem sabe, o menino finalmente estará pronto pra deixar que o homem trilhe o caminho certo.

Existem outros mundos mesmo...
Só nasci pra fazer as coisas sozinho, pra ser assim eu mesmo. Porque não posso me importar sem retirar espinhos e cravá-los em mim. Se me preocupo, me perco. Não posso seguir em frente pensando em lágrimas que caem por mim, então é melhor que elas não cheguem a cair.

É isso. Meu problema de apego, que é sempre substituido pelo do desapego. Porque se me apego, logo vejo que já é hora de partir, que não sou mais suficiente e que outra relação mal começada vai acabar seguindo pra um outro final. Um final pior.

Nunca é fácil, assim como não é fácil chamar brasa de gelo. Ainda que pareça não me divirto com isso e nunca sei como fazer. Então deixo que siga o próprio rumo trágico e só retiro as arestas pontiagudos. Corto aquilo que deixaria marcas fundas demais pra disfarçar.

E supero. De um jeito ou de outro, deixo que vá de mim e me recomponho, me faço novo. Deixo essa tristeza descansar no meu peito e sigo rindo das velhas piadas. Assim mesmo, fingido, esquecido, morno e esfriado. A pele de alguém que se cansou.
E me ver de novo como um grande pedaço de nada no sofá já não é tão incomodo. Não é reconfortante me pegar assim de novo, morto, em pedaços estilhaçados pelo chão da sala, mas já não dói como doeu no começo. Me acostumei a empurrar os cacos pro lado, ou a deixá-los exatamente onde estavam, já não mereço mais a auto-piedade do garoto que se culpava, nem posso carregar o orgulho do homem que acredita que fez tudo certo.

E quem faz tudo certo?

Fico assim então jogado a sorte de alguém que não posso reconhecer no espelho. Dilacerado e inconformado de amores retribuídos no escuro de escuros que luz nenhuma consegue afastar. Porque me entreguei de novo a antiga mania de não deixar amar, não amar, não querer ser. Sou o bom e velho egoísta que cometeu os bons e velhos erros. E que não pode deixar de cometê-los porque sente que é neles onde encontra realidade é nos seus erros que pode ver a verdade sem temer. Porque erra sozinho e erra por si próprio. Erra pra assumir que errou, levantar a cabeça e errar de novo. Erra porque assim pode deixar um pouco de si num mundo e numa vida que nunca serão suas. Erra e chora porque assim encontra a humanidade que disseram que ele tinha.

Com o tempo aprendo sobre viver e sobre existir, sobre estar. Com o tempo me desapego de mim e consigo olhar o estranho que tenta me convencer de que nunca fui as coisas em que acreditei. Com o tempo, só com ele, aprendo a deixar. E deixo...
Era um desses dias que eu estava decidido a não falar sobre nós dois. Tinha dito que beberia e esqueceria de mim. Bebi e lembrei de você. O problema é que te amo e isso é realmente uma droga. Droga alucinógena, pesada, que queima minha garganta, destrói meus neurônios. Sou um viciado. E como todo viciado é no ódio que sinto por você que encontro forças pra sustentar tanto amor. Sinto uma tristeza se espalhando por mim, tomando conta dos meus sentidos. Maldita. Queria te cortar fora como um pedaço de unha, queria te amassar como amasso meus poemas de mal gosto, queria te apagar como apago meus rabiscos mal riscados no papel. Maldita de novo.

O entorpecimento logo passa, você é jogado na gostosa depressão de sentir a merda daquilo que fez. E sabe que vai procurar por aquilo de novo. Ah como quero me livrar de você. Ah como quero seguir. Maldita. Maldita, maldita, maldita. Estou cansado, sofrendo porque não sei o que fazer com nós dois. Pegue, leve essas lágrimas de um velho exausto que não aprendeu com a vida como agir. Acabarei confortando minha dor em seus abraços de novo. Secando o tormento no seu cabelo. Me decepcionarei de novo. Maldita.

Luzes

O alcool correndo
Arrastando minha emoção
Fervendo meu sangue
Queimando.

A irrealidade de estar de novo
Assim, fugindo do que me assusta
Daquilo que não me deixa,
Dormir, sonhar. Acordar.

É o entorpecimento
Que me impede de cair
Em coma. De não sair dele.

Saber que não preciso enfrentar
O mundo todo dia
Que tenho pra onde fugir,
Tenho como não andar pisando na merda.

E você me culparia por isso?
Seria eu um delinquente?
Ou seria você um hipócrita?

Ponha sua cabeça no travesseiro
Durma seu sono sóbrio
Deixe que na sarcástica ilusão
Eu possa ver meu caminho.
Não sei se é por medo. Se é puro egoísmo. Se é impaciência, auto-sabotagem, menosprezo. Mas sempre deixo que as coisas passem. Coisas, pessoas, minha vida. Escondido atrás de preocupações empáticas, tento encontrar razões reais pra não enfrentar. Razões pra poder fugir. Mas de novo acabo perdendo...

"Mas ela escolheu ficar comigo. Tenho que respeitar a opinião dela..." - Phoebe (Friends)

Pelo menos dessa vez espero ter feito o correto. Espero tanto...
E se pudesse desejaria felicidade. Ia querer que ela se libertasse da presença constante dele no seu coração e seguisse a vida. Não era indiferença da parte dele. Só não se sentia no direito de ter o controle sobre o amor que ela sentia. Ele não queria ser responsável por aquilo. E não era por falta de amor, porque deus sabia quanto amor ele guardava dentro dele. Era só inabilidade. Queria que ela fosse porque não podia dar a felicidade que esperava que ela tivesse. Mas como desejaria felicidade pra ela, como esperaria que ela encontrasse isso em outros braços se seria o mesmo que se banhar em uma poça de veneno e amargurar o doce sabor da perca? Como ele diria "então vá, baby, encontre os segredos do mundo, vá sem mim e nos braços de outro encontre aquilo que não quis te dar"? Como ele diria isso, se ela era o ar e a água, se naquela menina ele encontrava razões para se desafiar a sair da cama nas manhãs nubladas, fazer o café e dizer bom-dia. Era nela que pensava quando construia castelos no ar e elevava casas na areia. Quando mobiliava quartos de paraná e rascunhava blocos vazios tentando encaixar existências tão afim. Se quando ele trocava o tênis ao sair era só porque ela não gostava do seu tênis velho e confortável. Se ele largara os cigarros porque ela ficava com o nariz vermelho e a voz enroscada. Se ele deixara de lado seus filmes bobos, porque com ela entendia aqueles filmes sem sentido. Não mudou por ela, só se adaptou. E como deixaria a adaptação de lado pra mandá-la embora. Não queria o amor dela, mas não sabia como viver sem ele. Não queria se responsabilizar, mas há muito já a tinha cativada, acuada. Tinha se cativado e por ser frio demais pra aceitar desejava que ela o deixasse com seus motivos pra não querer viver. Ela o enchia de uma força que ele gostava de ter perdido.

Pelos meus

Tenho a mente cheia de merdas
Envenenada pelas doenças de minha geração
Geração que supera o moderno
Sem se modernizar

(Que se considera contemporânea
Vivendo das glórias do passado.)

Tenho a memória cheia de lapsos,
Criados pelas drogas de todos os tempos
Drogas radioativas, raivosas
Nervosas em seu novo passado.

Tenho a cabeça perdida em pensamentos
Que agem como balas
Perfuram ideias, explodem conceitos
Abusam das lentas novidades.

Tenho a alma fraturada pela vida
Rasgada, queimada, desonrada.
Nas inspirações e nas expirações
Em cada movimento torácico.

Maldito corpo flagelado
Morto e vivo
Desencontrado em seu caminho
Andante de um mundo que não escolheu pra si.

(triste sorriso que se desembaraça
num dia tão nublado)
Estava sentado no meu sofá, pensando. Pensei nas coisas que aprendi e nas que eu deixei de lado por acidente ou de propósito. Vi o tempo passar, mais rápido do que eu estava acostumado. Vi tudo correr, em velocidades que não pude acompanhar. O mundo quis rodar, tudo enquanto não saí do sofá.

É uma insegurança confusa. Cansar de falar de você e não ter mais nada pra falar. Recusar-se a contar suas histórias e ver que não tem nenhuma pra ouvir. Olhar pro mundo humildemente e sentir que não era bem aquilo que você pensava. Esse turbilhão de pensamentos incoerentes te levaram a lugar nenhum e agora você se pergunta se pode continuar. Se pergunta se consegue seguir em frente...

Não é mais aquele desespero dos 15 anos, não é aquela preocupação infantil, não é aquele medo do novo. Você foi insistente o bastante pra concretizar aquilo que desejava, mas já não vê mais aquela força que existia, aquela vontade, quase necessidade de ir atrás dos planos feitos. Você conseguiu. Chegou lá. Mas nunca pensou no que faria depois. No que faria durante.

Esqueceu de planejar o percurso e agora tá aí, sentindo que não tem mais chão. Pois se não tivesse nem pensado em planejamento, se não precisasse prever e conseguisse ser espontâneo, se soubesse lidar com esse mundo que é cruel, sim é cruel, mas ainda assim é carinhoso o bastante pra te carregar em posição confortavel, talvez não achasse que está fazendo errado. Talvez conseguisse ficar feliz apenas por momentos.

Mas não. Esse é o desespero do adulto que cresce em você. É o homem que não mais tenta te convencer, mas grita e se impõe. E isso sim é cruel. Você não entende o que ele diz, você não entende porque deve obedece-lo, você ainda pensa que é uma criança, mesmo que até o seu físico diga o contrário. Você tenta reconhece-lo e não enxerga nada. Ele é você e você não consegue acreditar, desafia.

Ele ri.

E logo, vocês acabam concordando.

Carta de (pós)apresentação

Tá bom baby, eu saio da sua vida. Pelo menos me tiro dela. Mas não é assim que você se livra de mim. Vou ficar na suas músicas e vou tocar na sua playlist. Vou cantar nas letras das bandas que você aprendeu a gostar e vou dedilhar os acordes da marcha fúnebre desse caso mal começado. Pois você vai seguir na "estrada do inferno" que eu tratei de sinalizar.

Vou aparecer de figurante nos filmes. Vou estar sentado do seu lado do cinema. Você vai me procurar e não vai encontrar. E vai ser assim, díficil e dessa vez mais do que em todas as outras vou gritar aliviado que a culpa não foi minha, que as decisões erradas não foram minhas, que as ilusões criadas não foram alimentadas pelo meu espírito insensivel.

Se tivesse dito que te amo, se tivesse apostado mais alto. Mas isso nunca aconteceu.

Sim, esse sou eu sendo egoísta, sendo infantil, sendo miserável. Esse sou eu negando seu amor e dizendo que fiz o possível pra acreditar que dava. É mas não dá. Então, você vai se entregar a outros amores e espero que ache um que te satisfaça. Que satisfaça seu senso de maturidade e sua vontade louca de aventuras inexistentes. Esse não sou eu.

Mas no fundo, sou um fraco que quer te ver feliz. Mas agora bem longe de mim.

De consertar e seguir

Tentou não cobrar as velhas promessas e se manter afastada do telefone. Não discou os números, nem ouviu o recado da caixa postal. Tratou de lavar o rosto e tirar a maquiagem. Decidiu por tomar um banho, trocar a calcinha. Lavar o cheiro da última vez. Percebeu que chorou a toa e sorriu pro espelho. No quarto, se perfumou. Secou os cabelos, se arrumou. Sorrindo pro espelho, tinha sobrevivido.

Só que sobreviver não é esquecer. Fora a última vez. Um "nós" já não existia faz tempo, ambos já sabiam. Ainda que doesse menos, doía. Não atendeu as ligações, apagou os e-mails, recusou as flores. Bebeu um pouco, fumou um pouco mais. Clareou suas ideias, criou poemas pobres e desenhos rabiscados. Fez o que pode pra aquietar a memória.

Saiu. Encontrou em outros braços o alento em outros sexos alivio em outras bocas calor em outros risos outras pessoas. Mas são sempre outros. Então decidiu estar sozinha. Decidiu tantas coisas, achou que tinha perdido o coração. Mas percebeu que na verdade, havia esquecido-o em outro lugar. Foi procurar.

Usou a chave que não devolveu. Dentro do apartamento, procurou pelas mesas. Vendo que não ia encontra-lo por ali, olhou as gavetas, no meio das meias, das roupas de baixo. No guarda-roupa. Sentindo o desespero, ou no mínimo começando a se preocupar, olhou no banheiro, na pia, no ralo. Não achou. Ouviu a porta se abrindo e o que tanto evitou acontecendo.

Olhou nos olhos dele e viu sua memória acordar. Ouviu da boca dele e finalmente obteve a resposta pro que lhe afligia.

-"Tá na geladeira. Quando você saiu pela porta, dizendo que não voltava, não sabia o que fazer. Ainda tínhamos algo, mas nunca julgamos direito. Quando você saiu pela porta, fui pro quarto. Vi cacos. Cacos por todos os lados. Nas fotos. Nos livros. Achei cacos enquanto tomava banho. Pedaços embaixo do sofá, nos bolsos das minhas roupas. Foi difícil juntá-los. Confesso que pensei em desistir e procurei por outros que estivessem inteiros. Mas não podia ter nenhum, se já não tinha nada a dar em troca. Então continuei. E consegui. Quando o vi inteiro de novo, mesmo com as marcas, sabia que ainda existia algo que podia nos fazer feliz e sabia que você viria buscá-lo. Então coloquei lá no fundo da geladeira. Tive medo que ele apodrecesse e eu nunca mais conseguisse arrumar. Tá lá, guardado, esperando a dona."

Sorriu de novo. Não se impressionou. Tirou da bolsa aquele que tinha levado consigo e devolveu pro dono. "Toma, é seu...". Foi até a geladeira, pegou aquilo que era dela. "Que bom que o arrumou, que bom que ainda acreditou em nós. Mas isso já não existe."

Saiu pela mesma porta que entrou. Dessa vez devolveu tudo. As chaves, o amor. Não levou nada dali consigo, a não ser o que já era seu. Sorria satisfeita, calou a memória. Se livrou daquilo. Agora, tinha de novo o que precisava pra seguir em frente. Se alguém morre aqui é só o brega do amor. Que sempre pode nascer de novo...

De quem se arrepende

Hoje acordei tomado por uma tristeza insana. Petrificava meu coração. Estava presa em meus pulmões, sufocando. Nas minhas juntas. Era uma sombra pesada no meu quarto. Um caixão negro deitado ao meu lado, em minha cama. Hoje fui invadido por uma tristeza alucinada. Doía em cada parte do meu cérebro, ardia em meus olhos. Era tanta tristeza, que achei possível morrer dela.

No hálito da boca seca me levantei. Corri para o banho, tentando lavar o betume que assolava meu espírito que destruia minha alma. Deixei que a água corresse pelos meus pés, que lavasse minhas mãos, que tirasse de mim a sujeira que aquela tristeza doentia ousava deixar. Fiquei tempo suficiente para enrugar a pele de meus dedos e nem assim consegui me livrar de tamanha agonia.

Estava nos meus ossos, nos meus músculos, em cada célula, tecido, orgao e sistema.
Inexplicável sensação de impotência somou-se a anterior e descobri que já não tinha condições de me concentrar, que não conseguiria ser eu mesmo. Não sabia de onde surgia. Nas manchas vermelhas que deixei pelos cantos na confusão do ato demoníaco, nada de história havia para eu ler. Era apenas manchas de algo que lavei no chuveiro, mesmo que não bem o bastante pra tirá-lo de mim.

Acordei tomado por ela por motivos que não poderia descrever, que não teria forças ou coragem suficiente para contar. Se me chamasse de monstro, hoje o sentido estaria claro. O monstro que fui é aquele que me consome hoje. Acordei em meu próprio inferno. Ou pago pelos pecados numa prévia de purgatório. Tristeza dilacerante, carnívora, putrificando minha carne, estampada em minha pele. "Não foi de propósito baby, nunca é!".

O machado. O toque. O doce barulho. A loucura doida e insana de um instante de desespero, um instante de frustração. A morte e a satisfação instantânea, o sono, o onírico. Garanto baby, doeu (e ainda dói) muito mais em mim.

Sobre perder

Não sei porque ainda brincamos disso. Me pergunto se alguma vez foi engraçado, se alguma vez foi prazeroso. Perdemos algo muitos quilometros atrás e sinceramente não sei o que foi, mas não somos mais os mesmos. Não conversamos como conversavamos e nossos assuntos logo nos levam a buracos que não queremos mexer. Não conseguimos nos olhar direito pois ambos sabemos que devemos. Devemos muito um pro outro. Não bastariam mais cervejas na mesa do bar, almoços na casa da mãe, desculpas nos e-mails e mensagens que nunca são respondidas. A gente se perdeu no caminho que decidimos trilhar sozinhos. Não é falta de amor. Não é falta de carinho. É distância. É essa vala entre nós, que não se representa em quilometros ou horas que demoramos pra nos ver, mas sim em coisas que não podemos pesar, que não são calculáveis. Se fossem só as discussões sobreviveriamos, se fossem diferenças de opiniões, se fosse falta de preocupação. Se quisessemos mesmo. Mas já perdemos a vontade... então não tem mais pra que fingir. Não existem mais motivos pra dizer que sente saudades, ou perguntar se estamos bem. Sabemos que estamos. Agora talvez nos reste o tempo dizendo o que não conseguimos ser. Os anos que carregaremos tentando vencer uma batalha perdida. Exaustos por uma guerra impossível. Vamos ter que aprender a conviver com aquilo que o outro não é mais, com aquilo que nunca vamos chegar perto de ter de novo. Altos e baixos vao sempre existir. Mas lá no fundo é tudo que teremos. Não vamos mais chorar um pelo outro, uma hora as discussões vão parar, tudo vai ser adequado, todas as aparências serão mantidas, todas as fachadas conservadas, todas as ilusões equilibradas. Mas aquele laço é pra sempre. E isso não pode ser ruim. Que não nos falte coragem.

Se não te achar...

Fico te procurando. Não te encontro.
Busco você do meu lado. Minhas mãos esperam encontrar as suas, meus braços querem se enroscar no seu corpo. Quero dormir do seu lado.
Mas, cadê?
Não sei nem se te conheço. Mas te busco. Porque preciso de você.
Então menina, se me ver na rua, se trombar comigo, diz que finalmente achei.
Se estiver conversando comigo, se me encontrar na livraria, diz que é você.
Se sentar do meu lado no cinema, se eu estiver com a mão no seu seio. Diz de uma vez: "sou eu".
Se estiver me lendo, ou se ler o velho safado.
Se estiver me vendo ser idiota. Grita logo que era você que eu procurava.
Se eu te der um fora, se você me der um tapa. Conta pra todo mundo e me faça saber.
Não quero mais ficar procurando e me perder em braços que não serão meus, em beijos indiferentes. Não suporto mais procurar nos sorrisos falsos e no sexo insosso.
Então baby, pára logo de me ignorar. E me faz saber.

Como (des)criar

Deixe que essa criança cresça livre. Deixe que ganhe o mundo.
Encha-a de cores, de texturas de sabores.
Deixe que a roupa dela fique suja, deixe que ela brinque com a comida.
Sorria com o brilho dos olhos dela. Sorria com o sorriso dela.
Não destrua os sonhos.
Deixe que eles fluam e faça com que ela desenhe.
Ensine-a a gostar de ler. Mostre esses mundos novos.
Deixe que ela chore e as vezes a faça chorar. Será necessário.
Mas tenha cuidado. Ela precisa de alguns "nãos".
Ela vai quebrar um ou outro osso. Cuide dela.
Ajude-a com as músicas. Acima de tudo não imponha seus gostos.
Ela vai dançar em círculos.
Faça ela sentar de índio. Deixe que ela tenha amigos.
Deixe que esses a influenciem.
Tenha ponderância.
Deixe ela ser um super-herói. Deixe que ela cresça crendo nisso.
Ao passo, ensine-a a fixar os pés. Mostre-a como andar.
Se ela se tornar um sonhador, seja sua realidade.
Ela vai te amar. Vai te odiar. Vai te amar de novo.
Deixe que ela seja criança.
Ela vai ter um futuro, ela será um bom adulto.
Ela vai precisar sentir medo.
Você vai ensiná-la a ter coragem.
Ela vai urinar na cama. Você a ensina a não fazer.
Talvez, ela tire sua paciência. Pense mais um pouco.
Não crie um monstro. Não crie uma máquina.
Crie um ser humano.
Ela vai precisar de sentimentos. De abraços. Beijos.
E um dia vai precisar de mais.
E quando esse dia chegar, quando ela desistir das asas.
Quando não usar mais a roupa de pirata.
Quando pedir as chaves do seu carro e quando bate-lo.
Quando quiser falar sobre sexo, camisinha.
Quando ela deixar de ser sua criança, deixe-a ser seu adulto.
Ela vai precisar de você ainda.
E você, é bom que esteja lá pra ela. Um dia, a criança será dela.

Se for pra sonhar...

Ah se solto esse sonhador. Se deixo esse meu espírito aventureiro, desgovernado. Ah se não controlo esses planos e devaneios, se me deixo levar pelas minhas crenças, pelos meus complicados e sublimes sonhos.

Ah se eu não acreditasse tanto neles, se perdesse a fé e desistisse deles e deixasse eles ganharem vida, tomarem forma, aprenderem a falar e seguirem o mundo por si próprios, ah como seria. Seriam tão maiores e tão mais esplêndidos.

Mas controlo-os. Seguro esse crente que existe em mim. Esse sonhador que se ilude com o mundo que o cerca, que se engana com seus iguais e se enche de emoçao quando vê uma centelha daquilo que acha que é verdade acontecer.

Esse cara que gosta de palavras amigas e adora olhar o céu e que vê nas estrelas dimensões que nunca vão existir. Esse que enquanto dorme está acordado e se admira de fascinação enquanto mantém os olhos abertos.

Parafraseando a parte, mas seguro esse pássaro azul. Dele tiro forças pra continuar seguindo e ele tira de mim as cores pra pintar seu proprio mundo. Simbiose tamanha que não existimos sozinhos. Que bom que ainda sorrio.

Sobre visões

Brincava de não ver a poesia e não usar de lirismo. São mais fortes, mais felizes esses que não enxergam tristeza e nem drama a não ser que estes pulem nos seus olhos. Mas perdem tantas cores. Antes de pensar em coisas como essas, via o mundo sem graça e cinza e nem precisava me preocupar. Ele era bom e justo daquele jeito.

Mas pensar é um fardo tão sem graça. Ver um sentido diferente é tão dolorido.

Só que uma vez que você conhece esse outro mundo, uma vez que você pensa e o entende em uma fagulha, essa única vez é suficiente. Diga adeus a seus amigos, adeus a seus familiares. Aprenda a viver com sua sombra, aprenda a gostar desse novo mundo. Uma vez visto é suficiente pra te transformar.

E é assim, quase simples. Quase imperceptível.

É a sua percepção que mudou. Seus sentimentos que encolheram, sua fome de conhecer que aumentou. Quer ter o universo preso em uma gaiola. Quer ter todas as dimensões presas na cabeça. Admita que você gosta de ser infeliz. Gosta de sentir esse prazer amargo de não ser mais um naquele mundo cinza.

Aí pare e reflita de novo. Pare e preste um pouco mais de atenção.
Só não queira deixar de viver.

Porque é sempre por nao ser.

E quando eu parar de fingir que te amo?
Quando cansar de alisar seu cabelo,
Massagear seus pés,
Beijar suas orelhas
E morder seu mamilo?

Diz que vai sentir minha falta,
fala que se arrepende
das palavras rasgadas,
dos tapas não dados,
da vida míseravel.

Grite, grite mesmo
Piranha sem emoções
Grite e esperneie
Na rua, na calçada.
Ah, se eu fingisse...

Mas mantenho tudo assim
Sigo te amando.
Sentindo o gosto do seu lábio,
Acordando com seu olhar.
Seguindo.

Aquilo sobre o fim

Acho que nunca disse que já chorei com suas palavras. Nunca contei as lágrimas e o tempo que fiquei perdido em meus espamos. Não, nem sempre foi de tristeza. Vezes e vezes foi medo. Várias outras vezes foi só alguma emoção desentendida, desnaturada.

Mas às vezes me senti esfaqueado.

Não baby, acho que você não foi assim tão cruel. Eu é que não soube avaliar a situação, não soube guardar meu espaço e muito menos os meus segredos. Acreditei tão rápido em nós, gostei tanto da gente, que desisti de pensar. E não é bom deixar a racionalidade de lado. Eu deveria ter pensado mais.

Ok, superemos. Dessa vez sinto que posso te podar de mim. Se ainda choro com suas cartas e suas palavras dissimuladas e suas metáforas vazias e suas hiperbóles pleonásticas é só porque ainda lembro. Mas lembrar não me faz te querer te volta.

Então por favor, passe em casa, pegue suas coisas. Leve seus livros de auto-ajuda, leve seus CDs do Hendrix, deixe os meus do Elvis. Leve seus DVD's de Woodstock, deixe o meu da Janis. Tire sua escova de dentes do espelho do banheiro. Tire seus cabelos do ralo. Leve suas meias com você. Deixe uma calcinha pra que eu possa me gabar de ter tido você às vezes. Tire suas canecas da pia. As que estiverem sujas deixe. Lavo e mando elas pra você. Não esqueça sapatos, nem brincos, nem jóia alguma. Tire o que for você naquela casa e deixe o que for eu. Seus cadernos. Não quero que seus rabiscos me atormentem pela madrugada. Deixe que eu sinta o vazio de ser eu mesmo de novo. Ah baby, tenta levar o seu número da minha agenda.

Não esqueça nada. Leve aquele vaso feio que comprou na feira de pulgas e leve o porta-retrato que me deu no natal. Só o porta-retrato. Queria que você conseguisse levar o seu cheiro, mas vejo que vou ter que cobri-lo com outros. Claro, leve seus perfumes.

Vou fingir que foi fácil não te ter mais lá. Quando acabar, deixe a chave na portaria. Diga adeus ao porteiro. Não me deixe recados no espelho. É baby, é assim mesmo. Vai ser melhor que seja assim. Das lágrimas que derramei pelas suas palavras restaram boas lembranças. Sobre as suas cartas, decidirei o que fazer depois...
Hoje senti o peso que senti aqueles dias de novo. Senti aquela tristeza de gosto amargo, ruim. Sequei a lagrima antes seca. Deixei fluir o tempo pra ver se tudo passava.
Achei que tinha esquecido dessas coisas, achei que nao precisava lembrar. Mas de repente tudo volta, tudo sempre volta. Te ver. Pensar sobre outras coisas. Marcas instaveis.
Levando minhas palavras em frases curtas vou tentando retratar esse silencio que me engoliu.
Desesperado.
É por ser insensivel. Por ser chato, desgostoso, por nao ligar, por talvez não amar.
É pela preguiça de escrever, pela falta de assunto pra dizer, pela falta de motivo pra morrer.

É sempre assim

Não é de fingir saudades; é de não saber o que é mesmo. Falta não é saudades. Falta é costume, é hábito. Sinto sua falta porque você fazia parte do meu espaço. Sinto saudades porque sem você, tem um espaço vazio em mim. Sentir saudades não é sentir falta de alguém. É querer ter alguém por perto é lembrar de um sorriso é sentir a presença, mas nunca sentir o toque, não ouvir a voz.

É fácil sentir falta. Sinto falta de chocolate. Sinto falta de água, de cerveja. Mas não é saudades. Saudades é algo díficil e você não mata com um olhar. Sinto saudades de uns programas de TV, mas vê-los de novo não ia matar minha saudade. Sentir saudades é querer todo um contexto, um cenário e não poder se incluir nele.

Saudade não é dizer que sente. Saudade é sentir e segurar a lágrima. Saudade é fingir que está tudo bem, quando você quer mesmo é sair correndo e se jogar nos braços em abraço. Saudade é esquecer de alguém por um tempo e quando lembrar correr pegar o telefone pra ligar. Ligar e não satisfazer. Porque a falta é satisfeita com ideias. A saudade só é satisfeita com presença. Física, mental, espiritual.

Então não minta que sente saudades. Não se iluda, nem me iluda. A gente preenche nossa falta.

É de amor

É de amar e sentir saudades
De gritar e não ser ouvido
De ficar mudo
Ah, se não é de dor
É de sentir todo o mundo

É de correr pro bueiro
De andar na lama
De ter areia no tênis
Se fosse fácil
Não seria assim tão assim

É também de chorar
De dormir sozinho no sofá
De sorrir prum copo d'água
Ah, é de gargalhar
É de não achar graça

Porque se é de amar
É assim mesmo
É tudo e nada
Tudo ou alguma coisa
Nada e muito
É sexo
É drogas
É rock, samba, é silêncio
Um gemido no escuro
A mão cruzada na praça
O dedo no lugar errado
A boca no lugar certo
O riso no telefone
A palavra na cabeça
O nome pra chamar de seu
A pessoa pra chamar de minha
O recado na geladeira
A carta no fogo
O choro na cama
A piada no cinema
O filme de duas vidas
A coisificação em uma
O perfumo na camiseta
A calça no chão
O pensamento longe
A vontade tão perto
O lugar do começo
A tristeza de um final.

É pra matar de morrer e não é pra fazer nada. Não faça nada.
Não pense, não raciocine. Não racionalize. Não eduque-se.
Brinque. Se machuque. Não se prenda na merda da sua vida, não arrisque seu tempo na frente de uma tela. Não viva nos filmes, não se alimente dos livros, não durma com suas revistas.
Abrace. Abrace e sinta. E se não sentir não deixe de abraçar. Por favor, não desista de ser humano. Não, não é uma defesa de raça... é uma defesa de pessoas. Não é um texto de auto-ajuda, não é um e-mail, não é nada de bom. É uma súplica, não se esfrie.

E se no final você amar por dois (como diz a música), chore e esperneie, morra de novo. Se achar que deve, se mate. De verdade, sem literalidade. Se mate. Mas morra como alguém que amou e como alguém que viveu. Morra sabendo que existiu. Não passe a toa na merda do mundo, não seja uma merda maior do que a que você já nasceu sendo. Finja que mereceu viver.

Porque essa é de amor.
Desacostumei com a solidão mas não me acostumo com o público. Desaprendi a ser meio quieto e não aprendi a ser assim, meio barulhento. Ainda me assusto com pessoas e ainda assusto pessoas. Não porque sou estranho, nem porque sou diferente, nem porque nenhum.

[de repente, continua]
E de repente tudo é sobre mudar.
É sobre mudar de cidade e mudar de casa.
Mudar de escola e mudar de curso.
Mudar de filho e passar a ser o universitário, passar a ser o cara que mora sozinho, o cara que estuda arquitetura, o cara que não come direito, o cara que anda com a roupa amassada.
Mudar e deixar as mauricices. Trocar de família assim. Daquela de sangue que te dá de comer, praquela de nome que te dá de beber.
Mudar e deixar isso vísivel, mudar quem é, com medo de acordar e não se reconhecer. Mudar de um pra ser um e nunca ser o mesmo.
Mudar sem me perder em mim mesmo. Mudar porque é preciso. Mudar porque existe o medo. E o medo até mesmo de mudar.
Mudar, mudanças, mudas e mudos. Deixar quase tudo por uma palavra. Palavra que se joga no colo de outra. Mudar dorme abraçada com futuro. Mudanças andam de mãos dadas com o que está por vir.

Mudei, sim. Mas não foi tanto.

Mas nem tudo é mudança. E levo coisas ótimas, que não vou deixar mudarem.
E pessoas ótimas, que nunca vou mudar de mim.

De quem vai... mesmo que volte.

Se eu queria deixar tudo isso? Acho que não. Posso odiar muita coisa, mas sei que amo muita coisa. Em momento algum queria deixar meus amigos, minha casa e etc. Mas eu vou.
Hoje sei que por motivos menos egoístas. Vou porque será melhor. Vou porque é minha chance. Vou triste, com saudades, vou querendo ficar.
Mas a empolgação me faz alegre. Minha ansiedade me empurra pra nova fase e o medo só me dá mais forças pra finalizar aquilo que comecei.
Não deixo meus amores e nem levo rancores. Não quero perder nenhuma amizade e quero menos ainda amar menos quem eu amo. Quero sentir saudades e voltar pra dizer.
Quero chorar de abandono e sorrir quando chegar e for abraçado.
Vou pra viver a minha vida, mesmo deixando uma parte dela aqui. A maior parte.
Deixo com quem não vai comigo minhas lembranças e espero mesmo que possa voltar sempre pra vocês, porque eu quero vocês pra sempre comigo.
Se vou, quero voltar melhor. Melhor que ninguém além de mim mesmo.
E se sofro agora pra ir e recusar me arrepender é porque espero ter um lugar pra voltar. E ter quem encontrar quando voltar.

Aprendi a amar aqui. E é praqui que sempre vou voltar.

-dedico as pobres palavras a meus amigos. Em especial a Rô. Se não desisti dos planos, é porque você tava lá pra me apoiar. Te amo, e é assim-
-também vai pro pai e mãe... mas com eles a história é outra-
Eu não sei como é não pensar em você. Ficar sem criar situações e ilusões pra te ver. Não sei como não ter você. Dói. Eu também não sei como te ter. Não sei mais o que fazer pra trazer você pra mim. É um querer tão não querendo que às vezes acho que só me engano. Mas posso me enganar tanto a ponto de acreditar que é tudo verdade e que é tudo maior que eu? Maior que nós.

E a gente tá sempre querendo se ver. Sempre se querendo. Sempre se devorando. Mas a gente nunca ta junto. Mas eu quero. E você também.

Sobre escolhas

Parece que em algum momento, a vida te põe em um lugar e te dá duas opções de caminho. Uma placa indica o caminho do futuro, o caminho que vai te levar a ser uma médica, um engenheiro, uma prostituta ou um viciado. O caminho do futuro é o mais complicado e se for feito com cuidado te levará pra algo bom, mesmo que esse caminho se bifurque em tantos outros.

A outra placa aponta pra felicidade. Não uma felicidade programada de um ser adulto, que no caminho do futuro aprendeu a ser feliz com aqueles que pegaram o mesmo caminho e nunca vai perceber que é tudo uma mentira. Não, não é esse o caminho da felicidade. Esse outro caminho vai te levar pra sua felicidade infantil, praquela parte do mundo que você imaginou quando era pequeno e sempre quis acreditar que podia ser real. Nesse caminho criam-se os heróis, os ditadores, os hippies e os diretores de criação.

Ambos os caminhos vão estar cheio de fracassados caídos no chão. A diferença é que de um lado os fracassados vão estar fantasiados de escritores falidos, teoristas da conspiração e caçadores de ovnis. Do outro lado você vai ver mendigos desesperados, que perderam família, emprego e agora não sabem mais quem eram.

Nem todos vão ter tempo pra chegar no fim dos caminhos escolhidos. Ah, na verdade quase ninguém. E muitas vezes esses caminhos são maiores ou menores para uns ou outros. Mas ambos tem suas injustiças e nenhum deles garante que você vai ser mais ou menos feliz. Na verdade a felicidade é a única desgarantia do mundo. Se tem algo que você não pode contar e muito menos deve ficar colocando em metas é a droga da felicidade.

Mas não sei quando a divisão se dá. E não sei se você pode fingir criar outro caminho e se você conseguir, por favor, diga como fez. Porque eu quero acreditar que não preciso fazer uma escolha desse tipo e que as coisas não são assim tão cruéis.

Daquele que não sentiu

Ele disfarçava seus desamores com os sorrisos de um perdedor vitorioso. De olhos fechados encontrava ela e elas. Mas disfarçava ainda mais ela nele. Dando tempo ao tempo que não passava, carinho praquelas em que tropeçava e mentiras pra que todos pudessem dormir a noite.

E os dias nunca passavam quando pensava nela. Se estendiam pelas horas, se arrastando e grudando como uma névoa nojenta e descolorida. Pensava mesmo que iam ficar juntos ou só achava que era o que queria? Será que sentia?

Mal-humorado compulsivo, com irritações crônicas, ironicamente sagaz e perturbadoramente dissimulado. Com uma fome de amargor e desejo pelo impossível. Alimentaria-se dela, viveria dela e dela tiraria o que o fizesse melhor.

Sofria de um mal extremo. Desejava-a. Um desejo doentio de tão egoísta. Sabia que não queria dar felicidade a ela. Se quisesse não poderia. Mas queria felicidade para si próprio. Como tratar seu egoísmo adquirido na falta de sensibilidade?

Dessa vez a faca não viu sangue. Dessa vez a faca não viu nada. Ninguém viu nada.

Decidido, cortou todo amor de dentro dele. No fio da navalha tirou ela, tirou elas e deixou um grande vazio carnicento. Seguiu assim, vivo e morto, podre e limpo. Optou por não usar da sua vida e morrer de olhos abertos.

Quando morreu, nessa história não com um tiro nos miolos, uma lâmina no peito ou enfiada no estômago. Não, nessa história morreu de velho. Mas morreu tão sozinho quanto os outros. Nessa história, de morte prematura só o espírito. De amor só uma vaga ideia.

Ignorância

-Não ia saber quando você está irritada ou triste ou brava ou misteriosa. Não sei se saberia te fazer feliz, se te entreteria enquanto estivessemos juntos. Não sei se conheceria seus gostos, caprichos e se daria os presentes que você gostaria de receber. Penso se saberia ser pra você um bom companheiro, se poderia enxugar suas lágrimas e então te fazer rir. Se cozinharia carne e você seria vegetariana, se usaria alho e descobriria que você é alérgica, que serviria vinho e você diria que não bebe, proporia um suco e você iria escolher a água. Não sei dizer se diria o que você precisa ouvir, ou se seria muito cruel te dizendo minhas verdades, ou se seria muito omisso quando te cobrisse com mentiras bobas. Não sei se nossos corpos se encaixariam com perfeição e se nos daríamos prazer suficiente, não sei se chegaríamos a fazer sexo. Fico em dúvida quanto a que música ouviriamos no carro e em que lugares acabaríamos chegando com ele. Não sei se te veria entrar de branco e me encontrar no final do tapete vermelho, não sei se nos diríamos sim. Não sei nem mesmo se você veria em mim alguém pra ter ao seu lado. Se sonhariamos um com o outro. Não sei se repararia quando você mudasse o cabelo, se seria sincero quando você me perguntasse se engordou, se não me irritaria quando você se atrasasse pra sair. Não sei se te faria o café da manhã, se te indicaria livros, se acabaria tendo o seu nome tatuado, nos braços nas nádegas, nas pernas, não sei. Será que te faria cócegas até você perder o ar, será que você me daria tapas depois, será que me morderia. Não sei se brigaríamos pela tampa da privada levantada, não sei se você estaria lá pra ver esse erro. É, eu realmente não sei de nada... só sei que sinto algo por você e tenho medo que seja amor.

Aquela sem erro algum

E ela sabia que podia ser melhor. Acordava todo dia, se via no espelho e acreditava. Sentia que não tinha se perdido, sentia tanta coisa. Nos últimos dias sentia mais. Se via mais. Como podia se odiar tanto? Como sentir aquele gosto amargo e não morrer?

Se questionava, duvidava. Aquele veneno nos pensamentos. Aquelas ideias doentias. Não, não. Não eram doentias. Se a fizessem melhor, como poderiam ser doentias? Mas sentia raiva e embaixo desse véu tudo parecia um pouco mais terrível, um pouco mais caótico.

Não foram seus relacionamentos que a tornaram assim. Não foram seus pais, não foi sua família. Não foi falta de dinheiro, nem talvez tenha sido falta de carinho. Não era falta de sexo e nem falta de humor. Era ela mesma. Eram os olhos que se encontravam quando mirava o espelho.

Aquele rosto magro bonito. Aquela pele lisa. Aquele cabelo liso. Eram os ombros secos. Eram aqueles seios presos ao peito. Era aquela barriga esculpida. Era aquela casca perfeita, guardando um fruto podre. Era a mente doente, no corpo saudável.

O café na mão era uma tentativa de aquecer-se. Talvez até de se manter acordada. Quão perfeita uma vida pode ser? Quanta perfeição ela podia aguentar? Aquela perfeição doía. A perfeição a tornava imperfeita. Precisava livrar-se daquilo.

Cigarros, álcool, drogas. Não, era ela demais. Era exata demais, polida demais. Deus, nem sabia mais se era humana. Alheia, invejava cada um que cruzasse seu caminho. Eles podiam ser o que quisessem, mas e ela? O que ela era? Por que ninguém podia saber?

As cartas que deixou não responderam suas dúvidas. Seus poemas, desenhos... nenhum deles chegou perto. Nem tão pouco a lâmina que cravou em seu estômago. Nem a dor que sentiu. O sangue pingando no chão... não chegaram nem perto.

A porta estava trancada por dentro. Ninguém a visitara. As cartas estavam arrumadas, na mesa, com fotos da sua perfeição. Na varanda, agora esfriava o corpo imperfeito. O rosto destruído. As unhas arrancadas. A adaga cravada exatamente no centro.

Um perfeito cadáver. Perfeitamente morto. Perfeitamente horrível. Perfeitamente exato. Ainda que em um último ato, lá estava ela, deixando seu corpo perfeito pra assumir os erros com sua alma perfeitamente eterna. Perfeitamente.

Culpa sua

Foi o painel que te dei
E nunca vi na sua parede.
Foram os beijos forçados
Roubados sem vontade.
Foi meu riso sem graça
Tirado no terror.
Foi seu braço no meu pescoço,
A falta de ar no meu pulmão.
Foi seu "eu te amo tanto"
Respondido pelo meu "eu também".
Foi seu hálito de menta,
Lutando no meu perfume.
Sua calça apertada
Presa em suas pernas.
Sua pressa louca
E minha mentira boba.
Minhas mentiras bobas.
Minhas muitas mentiras.
Nossa grande mentira.
Nossa tragédia privada.
Fui eu que destrui tudo,
E sou eu que hoje agradeço.

De não estar.

Eu estava lá
Com meus cigarros e seus vinhos
Estava lá
Na minha calça rasgada,
Penteando meu cabelo mal cortado
Analisando minha barba mal-feita.

Jogado no sofá,
Lendo aquele que falava de nós
Deitado no chão,
Ouvindo os sons da casa vazia
Sentado na mesa,
Vendo cadernos com seu nome
Fotos coladas com fita.

Lá,
Sorrindo pro espelho
Me convencendo,
Me contendo.
Morto embaixo do chuveiro
Contando nos dedos as gotas.

Na cama sonhando comigo.
Na parede exposto com tinta.
Na porta pensando em sair.
Na pia, indo pelo ralo.
Na janela querendo pular.
Na rua tentando correr.

Mas pra sempre lá
Sem a vontade dos meus dias
Bons, sem abrigo da chuva
Em mim, sentindo apenas
O fim, simples como os seus
Beijos, que de mim já ausentes.

Vou me recompor e voltar
Encontrar o caminho na casa
Tirar o pó de nós dois e,
Dessa vez, não vou jogá-lo
Embaixo do tapete.
Vou juntá-lo e finalmente...

O que?
Finalmente o que, baby?

Por não ser.

Tirando algumas coisas que escrevo aqui ou lá, não gosto de falar do que sinto. E não falo.

Falo muito do que penso, do que idealizo, mas na realidade nunca ponho muito do que sinto no meu discurso. Introvertido ou não é assim que parece ser.

Não é por não sentir, é só pra não declarar. Falo da raiva que penso que sinto às vezes, dos amores que penso que tenho, das ilusões que penso que me iludem e da vida que penso que levo. Mas não significa que sinta aquilo que penso demais.

"De tanto eu te falar, você subverteu
o que era um sentimento e assim
fez dele razão pra se perder
no abismo que é pensar em sentir..."


E por isso é melhor eu continuar distante.
É mais fácil não me envolver.

E acabar.

Percebi que fico esperando um ponto final. Porque eu acho que um dia vou estar em algum lugar, com alguma situação e ali, de repente, acabou.

Não sei se é, mas chega bem perto da morte. Não é uma vontade de morrer, é só uma questão de querer que acabe. Gosto muito da parte da história em que vivo, mas parece que eu to sempre esperando que termine.

Me acostumei com finais. Porque por pior que eles sejam parecem tão reconfortantes. Sigo um ponto qualquer bem à frente da minha existência e sempre acho que tudo que queria acaba ali. É uma meta de fechamento. É o apogeu. O fim. E ponto.

Sigo para lá, como se aquilo marcasse um antes sem precisar de um depois. Mas nunca chego lá, nunca encontro, então por isso suponho que este seja a morte. O descanse em paz do senso comum. E isso não é covardia. Pare de ler se você acha que é covardia.

Porque eu não tenho medo de viver o resto da minha vida. Não tenho medo de ver esse ponto se estender até minha velhice. Não queria, definitivamente esperava encontrar esse marco amanhã, ou depois. Mas se não encontrá-lo irei até o fim.

Ou até o ponto em que algo aconteça e eu finalmente entenda que a minha vida só faz sentido com um antes e um depois. Até o ponto onde eu esqueça que preciso chegar neles. Até o ponto em que você entre de vez nela.

E eu entenda que o ponto não marcava um fim. Mas só o começo.
Um péssimo amigo. Se definia assim. Dentro dele sabia que o máximo que podia dar pra alguém era algo daquilo que ele era. Aos poucos, se aproximava, amigavasse e quando via, olhava o amigo e se via no espelho. Se encantava com a possibilidade de entrar na pessoa, invadir cada espaço, vazio ou cheio, de poluir e sujar o coração. Quando via, tinha tanto de si naquele amigo considerado que se assustava.

Era realmente uma pessoa ruim. Amargo, ácido. Amarelo, escuro. Doente, louco. Chato, mesquinho. Ah, deus era belo, como era. Mas pecados deixam tantas marcas que era triste aquela face. Mas era interessante. Era um ser interessante como uma nova galáxia, quanto fusão de átomos, quanto um navio afundado. E quem não se interessaria?

Fácil era o modo de se induzir. Invadir e ao sair deixar um ser que não se conhece mais. Com o tempo, eram suas músicas, eram seus filmes, seus livros. Eram suas palavras narradas pela boca de outra pessoa. E não ficavam melhor. Eram tão ruins e feias, que seriam ruins e feias em qualquer pele, qualquer vazio.

Felicidade era poder destruir tantas essências. Não existia felicidade maior. E se fazia isso com outro, logo outro fazia com outro e com outro e com outro.

Um dia acordou e foi atendido por si mesmo. Pediu por um táxi e foi ele quem dirigiu. Almoçou e foi ele quem serviu. Olhou no espelho e já não reconheceu-se mais. Tinha tantos de si que a sua parte na história agora era obscura, confusa. Tinha se espalhado tanto pelo mundo que agora que o mundo era ele, ele já não se encontrava em lugar nenhum.

No desespero, se jogou de 13 andares. Enquanto caia se viu nas janelas, nos parapeitos, se viu nos carros lá embaixo. Notou-se em tudo que tinha feito, tudo que tinha tocado, tudo que tinha um pouco de si. Tocou no chão. Antes de deixar seu último ar sair, antes de saber que deixava a última parte de si ali, pode reparar que nada tinha de seu.

E assim morreu.

Ótica mental cheia de hortelã!

Café forte e sem açúcar!

Chá mental...