Mentaótico

Ótica mental cheia de hortelã!

E ele já tinha escrito muito. Com os velhos cigarros e o mesmo hálito carregado de alcool e entorpecentes já tinha gritado um formigueiro de palavras silenciosas. Tinha vibrado e se afogado nas emoções de um coração lacrado em pedra, jogado num oceano fundo e gelado de regras e manias pessoais, de convicções febris, de solidão estática.

Escreveu sobre as batidas que faziam a superfície da água vibrar sutilmente e as transformou em ondas gigantes, em tsunamis. Trouxe a tona os pesadelos e os concedeu verbo, os colocou na luz. Suas musas, ele inventou. As inventou e raramente as encontrou. Quando encontrou, nadou com elas no frio do seu próprio mar. Mas sempre logo que entrou na água percebeu que não podia suportar a temperatura, não podia lidar com aquilo. E as afogou. E as deixou afundar. Não intencionalmente, não por algum tipo de maldade intrinseca que não pudesse controlar. Mas por um extinto imediatista de se proteger, de se cercar, de ficar sozinho.

Os cigarros agora deixou de lado. O alcool optou por reduzir. De resto, vestiu as mesmas bermudas rasgadas combinadas com as mesmas camisetas manchadas. Era assim descuidado consigo mesmo, desprevenido e ao mesmo tempo tão neurótico, tão amargo.


A morte aguardava paciente, sentada na porta do quarto. Às vezes levantava-se, olhava pela janela. Ele, moribundo, jogado na cama retorcia-se com seus pesadelos finais. Já sentia o cheiro do corpo podre. Nos lençóis, nas paredes. Já podia ver os insetos deixando seus buracos, se preparando para o banquete da carne que um dia já fora bela, já fora suave. Tosse de novo, contorciona-se mais uma vez. Pergunta-se se depois de tanto sofrimento ainda teria pecados a pagar quando chegar no céu. Pergunta-se se realmente vai chegar no céu. Não pensa mais no passado. E nem no futuro. Ali, naquela cama suja, naquele corpo fétido, ele liga o passado e o futuro. Ali, naquele quarto escuro, o tempo já não é mais importante, o passado é uma sombra de luxúria e arrogância, o futuro já não existe. Seco, já não chora e nem se desespera. Aguarda o último suspiro enquanto conversa com os demônios, enquanto mata baratas. Sente-se nada. Não tem mais histórias a contar. A porta finalmente bate. Ele já sabe quem é. "- Entra!". Ela entra. O cômodo enche-se com o peso de mil almas. Ele sorri, respira numa tentativa boba de se lembrar o que é a vida. Ela senta ao seu lado. Ele reclama. "- Se demorasse mais um pouco, teria de cuidar disso sozinho.". Ela se desculpa, diz que tudo vem ao seu tempo. Ele se acalma e se permite. Compreende então a verdade. Toda a verdade. Seco, agora chora. Ela finalmente lhe dá um beijo. Ele fecha os olhos. E já não os abre mais. Ela seca a lágrima do rosto dele e deixa o cômodo.

Não nasceu pra ser um casal. Sozinho chegou ao mundo e era assim que gostava. Não gostava do toque quente, nem do abraço, nem do colchão apertado. Gostava do espaço e daquela margem de segurança que tinha criado ao seu redor. Estar distante, olhando o show do alto, sentado na grande poltrona sem ninguém no colo. Tremia de pavor só de pensar em ser sufocado, em ser abafado, em ser contido numa vida a dois. Queria uma vida a um, um que fosse pleno, um que fosse ele.

Arredio e desarrumado balançava as pernas de modo frenético, impaciente. Irritado e incontestavelmente mal humorado assumia que havia sido feito para si. Compreendia suas manias e se dava bem com suas vontades. Não se importava em usar a bermuda rasgada, ou com seu bafo de nicotina envelhecida. Sóbrio ou não, podia entrar em mil batalhas consigo mesmo e ainda se perdoar. E ainda beber mais um copo. E ainda sorrir falso pro espelho.

E era tão simples ser assim que não entendia porque não deveria ser. Por que tinha que andar de mãos dadas? Por que tinha que sentar abraçado no cinema? Por que tinha que escolher alguém e dar todo amor que foi tão difícil tirar do coração? Não sabia e talvez nunca descobrisse.

Ilusão. Ilusão foi o que me deu quando achei que existia beleza pela metade, quando achei que beleza era um ponto e não o jogo todo. Fui ingênuo e inocente acreditando em um mundo de imperfeições. Não, não aqui, não no nosso tempo. Não vivemos pelas imperfeições. Vagamos por um mundo de faminta miséria e é o tempo todo sobre ser inteiro, sobre ser completo, sobre ser perfeitamente bonito. E perseguimos estereótipos inconscientes da nossa própria nudez. E a nudez choca porque se despe de valores, a nudez choca porque uma pilha de roupas é só uma pilha de roupas. Uma pilha de roupas não veste o sucesso. A nudez não se veste de nada.

Assistiu seus sonhos serem aprisionados em jaulas frias e invisíveis. Viu o menino ser morto, mais que morto, viu o menino deixar de existir. Caminhando sobre os corpos de uma sociedade em completo desmoronar, viu os castelos se desfazerem em torres e as torres se desfazerem no gosto amargo das cartas marcadas. Da vida conformada. Perdeu-se nas próprias crenças. Quis ser o que não podia, o que disseram que não devia. Esse homem, disforme e sem cor, olhou pro mundo e olhou pra si e não achou semelhanças nem tampouco achou diferenças. Foi sufocado. Foi pisoteado. Foi moldado e reformado. E ainda assim pouco conseguiu ser.


va.zi.o
  1. que não contém nada; que não está com seu conteúdo habitual
  2. desocupado
  3. sem sua carga
  4. sem pessoas ou atividade humana
  5. sem algumas de suas qualidades primordiais
  6. sem força, efeito ou significado

A fumaça é habitual. Preenchendo pulmões nervosos e bocas sedentas por palavras amarguradas. Sai envenenada pelas narinas, ganha o céu. O espaço preenche-se da matéria abstrata e efêmera, espaço cheio de matéria finda. Não há luzes brilhantes e as cores são estáticas, disformes. O mundo é abraçado pela fumaça, é engolido por outro copo cheio. O espaço preenche-se das pessoas e as pessoas preenchem-se com suas besteiras, se lotam de bosta até as tampas. O espaço preenche-se de olhares acusadores, inquisitivos, curiosos e anula-se no embaçado de outro trago. Deixe queimar. Os demônios saem pra brincar, cuspindo fogo e mentira nos corpos dos que passam. O espaço preenche-se de fogo e os queima, vivos, tortos. 

Então eles deixam a distância crescer, cavam seus abismos e deixam que eles se preencham de nada e que o espaço seja eterno. E é assim, o vazio que sobra, o vazio que são. Deixem ser.

Só fica a vontade de encostar a cabeça e dormir. Descansar. Tentar se livrar dos demônios que não cessam os tormentos. Sentir seu vazio ser ocupado pela névoa negra de coisas que você não entende. Que você não pode ou não quer entender. Não. Não só isso. O vazio de se sentir único, de realmente se sentir o único. De ser especial. De ser único e estar sozinho. E o problema não é não ser entendido. É não querer ser entendido. Preferir a confusão, a anulação e o sumiço.

Não posso me preocupar com a verdade das pessoas. Nunca quis interferir nos seus credos, crenças e histórias. Deixo-as com seus próprios sentimentos enquanto de algum modo alienigena tento ou corrigir os meus próprios, ou simplesmente não senti-los. É mais fácil assim, ou pelo menos mais confortável. Não existe contradição no silêncio. Nem resposta. Nem nada. Deixe que seja vazio, deixe que o vazio ocupe-se de nada e que o nada seja tudo.

Mais uma vez é sobre não ser.

Era um mundo de direito a palavra. Todos eram cegos mas ninguém era surdo. Mundo barulhento, sussurrado alto pra você não perder. Nenhuma palavra, nenhuma poesia. Era assim uma balburdia, de corvos e pássaros e gente com algo a dizer. Gente com coisa pra ensinar. Latidos altos, miados melados e promessas de um deus melhor. Buzina, fumaça. Cigarros e dez quilos em duas semanas. Era um mundinho sem direito nenhum ao silêncio. Habitado por monstros com cabeças de sons, com guitarras e baterias, com spam e rede social. Não era pra ser seu, nem meu, nem de ninguém em especial. Planeta árido e atômico, ácido e gastrico. Bistrô. Era o mundo deles que falavam e de você que ouvia, sem opção, com atenção. Sem brisa, só os fatos reais. Moderno e desenvolvido, steampunk fumaceando na avenida. Loucura no café-da-manhã, uma bala na janta.

E ele já tinha escrito muito. Com os velhos cigarros e o mesmo hálito carregado de alcool e entorpecentes já tinha gritado um formigueiro de palavras silenciosas. Tinha vibrado e se afogado nas emoções de um coração lacrado em pedra, jogado num oceano fundo e gelado de regras e manias pessoais, de convicções febris, de solidão estática.

Escreveu sobre as batidas que faziam a superfície da água vibrar sutilmente e as transformou em ondas gigantes, em tsunamis. Trouxe a tona os pesadelos e os concedeu verbo, os colocou na luz. Suas musas, ele inventou. As inventou e raramente as encontrou. Quando encontrou, nadou com elas no frio do seu próprio mar. Mas sempre logo que entrou na água percebeu que não podia suportar a temperatura, não podia lidar com aquilo. E as afogou. E as deixou afundar. Não intencionalmente, não por algum tipo de maldade intrinseca que não pudesse controlar. Mas por um extinto imediatista de se proteger, de se cercar, de ficar sozinho.

Os cigarros agora deixou de lado. O alcool optou por reduzir. De resto, vestiu as mesmas bermudas rasgadas combinadas com as mesmas camisetas manchadas. Era assim descuidado consigo mesmo, desprevenido e ao mesmo tempo tão neurótico, tão amargo.


A morte aguardava paciente, sentada na porta do quarto. Às vezes levantava-se, olhava pela janela. Ele, moribundo, jogado na cama retorcia-se com seus pesadelos finais. Já sentia o cheiro do corpo podre. Nos lençóis, nas paredes. Já podia ver os insetos deixando seus buracos, se preparando para o banquete da carne que um dia já fora bela, já fora suave. Tosse de novo, contorciona-se mais uma vez. Pergunta-se se depois de tanto sofrimento ainda teria pecados a pagar quando chegar no céu. Pergunta-se se realmente vai chegar no céu. Não pensa mais no passado. E nem no futuro. Ali, naquela cama suja, naquele corpo fétido, ele liga o passado e o futuro. Ali, naquele quarto escuro, o tempo já não é mais importante, o passado é uma sombra de luxúria e arrogância, o futuro já não existe. Seco, já não chora e nem se desespera. Aguarda o último suspiro enquanto conversa com os demônios, enquanto mata baratas. Sente-se nada. Não tem mais histórias a contar. A porta finalmente bate. Ele já sabe quem é. "- Entra!". Ela entra. O cômodo enche-se com o peso de mil almas. Ele sorri, respira numa tentativa boba de se lembrar o que é a vida. Ela senta ao seu lado. Ele reclama. "- Se demorasse mais um pouco, teria de cuidar disso sozinho.". Ela se desculpa, diz que tudo vem ao seu tempo. Ele se acalma e se permite. Compreende então a verdade. Toda a verdade. Seco, agora chora. Ela finalmente lhe dá um beijo. Ele fecha os olhos. E já não os abre mais. Ela seca a lágrima do rosto dele e deixa o cômodo.
Não nasceu pra ser um casal. Sozinho chegou ao mundo e era assim que gostava. Não gostava do toque quente, nem do abraço, nem do colchão apertado. Gostava do espaço e daquela margem de segurança que tinha criado ao seu redor. Estar distante, olhando o show do alto, sentado na grande poltrona sem ninguém no colo. Tremia de pavor só de pensar em ser sufocado, em ser abafado, em ser contido numa vida a dois. Queria uma vida a um, um que fosse pleno, um que fosse ele.

Arredio e desarrumado balançava as pernas de modo frenético, impaciente. Irritado e incontestavelmente mal humorado assumia que havia sido feito para si. Compreendia suas manias e se dava bem com suas vontades. Não se importava em usar a bermuda rasgada, ou com seu bafo de nicotina envelhecida. Sóbrio ou não, podia entrar em mil batalhas consigo mesmo e ainda se perdoar. E ainda beber mais um copo. E ainda sorrir falso pro espelho.

E era tão simples ser assim que não entendia porque não deveria ser. Por que tinha que andar de mãos dadas? Por que tinha que sentar abraçado no cinema? Por que tinha que escolher alguém e dar todo amor que foi tão difícil tirar do coração? Não sabia e talvez nunca descobrisse.
Ilusão. Ilusão foi o que me deu quando achei que existia beleza pela metade, quando achei que beleza era um ponto e não o jogo todo. Fui ingênuo e inocente acreditando em um mundo de imperfeições. Não, não aqui, não no nosso tempo. Não vivemos pelas imperfeições. Vagamos por um mundo de faminta miséria e é o tempo todo sobre ser inteiro, sobre ser completo, sobre ser perfeitamente bonito. E perseguimos estereótipos inconscientes da nossa própria nudez. E a nudez choca porque se despe de valores, a nudez choca porque uma pilha de roupas é só uma pilha de roupas. Uma pilha de roupas não veste o sucesso. A nudez não se veste de nada.
Assistiu seus sonhos serem aprisionados em jaulas frias e invisíveis. Viu o menino ser morto, mais que morto, viu o menino deixar de existir. Caminhando sobre os corpos de uma sociedade em completo desmoronar, viu os castelos se desfazerem em torres e as torres se desfazerem no gosto amargo das cartas marcadas. Da vida conformada. Perdeu-se nas próprias crenças. Quis ser o que não podia, o que disseram que não devia. Esse homem, disforme e sem cor, olhou pro mundo e olhou pra si e não achou semelhanças nem tampouco achou diferenças. Foi sufocado. Foi pisoteado. Foi moldado e reformado. E ainda assim pouco conseguiu ser.

va.zi.o
  1. que não contém nada; que não está com seu conteúdo habitual
  2. desocupado
  3. sem sua carga
  4. sem pessoas ou atividade humana
  5. sem algumas de suas qualidades primordiais
  6. sem força, efeito ou significado

A fumaça é habitual. Preenchendo pulmões nervosos e bocas sedentas por palavras amarguradas. Sai envenenada pelas narinas, ganha o céu. O espaço preenche-se da matéria abstrata e efêmera, espaço cheio de matéria finda. Não há luzes brilhantes e as cores são estáticas, disformes. O mundo é abraçado pela fumaça, é engolido por outro copo cheio. O espaço preenche-se das pessoas e as pessoas preenchem-se com suas besteiras, se lotam de bosta até as tampas. O espaço preenche-se de olhares acusadores, inquisitivos, curiosos e anula-se no embaçado de outro trago. Deixe queimar. Os demônios saem pra brincar, cuspindo fogo e mentira nos corpos dos que passam. O espaço preenche-se de fogo e os queima, vivos, tortos. 

Então eles deixam a distância crescer, cavam seus abismos e deixam que eles se preencham de nada e que o espaço seja eterno. E é assim, o vazio que sobra, o vazio que são. Deixem ser.
Só fica a vontade de encostar a cabeça e dormir. Descansar. Tentar se livrar dos demônios que não cessam os tormentos. Sentir seu vazio ser ocupado pela névoa negra de coisas que você não entende. Que você não pode ou não quer entender. Não. Não só isso. O vazio de se sentir único, de realmente se sentir o único. De ser especial. De ser único e estar sozinho. E o problema não é não ser entendido. É não querer ser entendido. Preferir a confusão, a anulação e o sumiço.

Não posso me preocupar com a verdade das pessoas. Nunca quis interferir nos seus credos, crenças e histórias. Deixo-as com seus próprios sentimentos enquanto de algum modo alienigena tento ou corrigir os meus próprios, ou simplesmente não senti-los. É mais fácil assim, ou pelo menos mais confortável. Não existe contradição no silêncio. Nem resposta. Nem nada. Deixe que seja vazio, deixe que o vazio ocupe-se de nada e que o nada seja tudo.

Mais uma vez é sobre não ser.
Era um mundo de direito a palavra. Todos eram cegos mas ninguém era surdo. Mundo barulhento, sussurrado alto pra você não perder. Nenhuma palavra, nenhuma poesia. Era assim uma balburdia, de corvos e pássaros e gente com algo a dizer. Gente com coisa pra ensinar. Latidos altos, miados melados e promessas de um deus melhor. Buzina, fumaça. Cigarros e dez quilos em duas semanas. Era um mundinho sem direito nenhum ao silêncio. Habitado por monstros com cabeças de sons, com guitarras e baterias, com spam e rede social. Não era pra ser seu, nem meu, nem de ninguém em especial. Planeta árido e atômico, ácido e gastrico. Bistrô. Era o mundo deles que falavam e de você que ouvia, sem opção, com atenção. Sem brisa, só os fatos reais. Moderno e desenvolvido, steampunk fumaceando na avenida. Loucura no café-da-manhã, uma bala na janta.

Ótica mental cheia de hortelã!

Café forte e sem açúcar!