Já não sentia os sentidos. Sentou-se e chorou. Ali, na soleira da porta, desolado e entregue a ondas soluçantes, afogado nas lágrimas que não cansariam de cair e molhar o chão e deixar marcas em sua camiseta e rasgá-lo por dentro, sangrá-lo das raivas engolidas. Alienou-se num céu turvo de olhos cerrados e vermelhos. Visão confusa, difusa, lacerante de um cenário seco, natural, mórbido e cotidiano. Viu-se mais uma vez ali, na casa que costumava amar, na vida que costumava ter, nos costumes que costumava vestir e chorou.
Chorou pois era tudo que tinha. Não tinha secado, mas tinha morrido. Morreu dia-a-dia, morreu em cada garfada. Deixou a vida esvair em cada passo em direção a porta. Morreu nos cigarros que apagou, nos copos que terminou, morreu em cada contrato fechado, em cada assinatura refeita. Chorava agora, ali na soleira da porta, o próprio enterro. Era o caixão, era o defunto e era a morte. Era o verme que putrificava sua própria carne. Não havia perfume que afastasse o odor. Estava morto e sabia.
Chorou anos seguidos. Da soleira da porta fez túmulo. Ao seu redor, das lágrimas brotava vida, vida de uma natureza sanguessuga, usurpadora das lágrimas do morto. O pé fez-se raiz. Enterrou-se, fundo. Casa, morto, alma, vazio. Fez-se corpo presente e pesado na entrada da casa que amou. Fez-se forte e ramagem da soleira da porta que já não abriria nunca mais. Prendeu-se forte a paredes que exibiam mais histórias do que aquela que fingiu viver. Prendeu-se ali, exilado da vida que renegou.
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Guii
Do pó ao pó
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Guii
on quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Já não sentia os sentidos. Sentou-se e chorou. Ali, na soleira da porta, desolado e entregue a ondas soluçantes, afogado nas lágrimas que não cansariam de cair e molhar o chão e deixar marcas em sua camiseta e rasgá-lo por dentro, sangrá-lo das raivas engolidas. Alienou-se num céu turvo de olhos cerrados e vermelhos. Visão confusa, difusa, lacerante de um cenário seco, natural, mórbido e cotidiano. Viu-se mais uma vez ali, na casa que costumava amar, na vida que costumava ter, nos costumes que costumava vestir e chorou.
Chorou pois era tudo que tinha. Não tinha secado, mas tinha morrido. Morreu dia-a-dia, morreu em cada garfada. Deixou a vida esvair em cada passo em direção a porta. Morreu nos cigarros que apagou, nos copos que terminou, morreu em cada contrato fechado, em cada assinatura refeita. Chorava agora, ali na soleira da porta, o próprio enterro. Era o caixão, era o defunto e era a morte. Era o verme que putrificava sua própria carne. Não havia perfume que afastasse o odor. Estava morto e sabia.
Chorou anos seguidos. Da soleira da porta fez túmulo. Ao seu redor, das lágrimas brotava vida, vida de uma natureza sanguessuga, usurpadora das lágrimas do morto. O pé fez-se raiz. Enterrou-se, fundo. Casa, morto, alma, vazio. Fez-se corpo presente e pesado na entrada da casa que amou. Fez-se forte e ramagem da soleira da porta que já não abriria nunca mais. Prendeu-se forte a paredes que exibiam mais histórias do que aquela que fingiu viver. Prendeu-se ali, exilado da vida que renegou.
Chorou pois era tudo que tinha. Não tinha secado, mas tinha morrido. Morreu dia-a-dia, morreu em cada garfada. Deixou a vida esvair em cada passo em direção a porta. Morreu nos cigarros que apagou, nos copos que terminou, morreu em cada contrato fechado, em cada assinatura refeita. Chorava agora, ali na soleira da porta, o próprio enterro. Era o caixão, era o defunto e era a morte. Era o verme que putrificava sua própria carne. Não havia perfume que afastasse o odor. Estava morto e sabia.
Chorou anos seguidos. Da soleira da porta fez túmulo. Ao seu redor, das lágrimas brotava vida, vida de uma natureza sanguessuga, usurpadora das lágrimas do morto. O pé fez-se raiz. Enterrou-se, fundo. Casa, morto, alma, vazio. Fez-se corpo presente e pesado na entrada da casa que amou. Fez-se forte e ramagem da soleira da porta que já não abriria nunca mais. Prendeu-se forte a paredes que exibiam mais histórias do que aquela que fingiu viver. Prendeu-se ali, exilado da vida que renegou.
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