Tentou não cobrar as velhas promessas e se manter afastada do telefone. Não discou os números, nem ouviu o recado da caixa postal. Tratou de lavar o rosto e tirar a maquiagem. Decidiu por tomar um banho, trocar a calcinha. Lavar o cheiro da última vez. Percebeu que chorou a toa e sorriu pro espelho. No quarto, se perfumou. Secou os cabelos, se arrumou. Sorrindo pro espelho, tinha sobrevivido.
Só que sobreviver não é esquecer. Fora a última vez. Um "nós" já não existia faz tempo, ambos já sabiam. Ainda que doesse menos, doía. Não atendeu as ligações, apagou os e-mails, recusou as flores. Bebeu um pouco, fumou um pouco mais. Clareou suas ideias, criou poemas pobres e desenhos rabiscados. Fez o que pode pra aquietar a memória.
Saiu. Encontrou em outros braços o alento em outros sexos alivio em outras bocas calor em outros risos outras pessoas. Mas são sempre outros. Então decidiu estar sozinha. Decidiu tantas coisas, achou que tinha perdido o coração. Mas percebeu que na verdade, havia esquecido-o em outro lugar. Foi procurar.
Usou a chave que não devolveu. Dentro do apartamento, procurou pelas mesas. Vendo que não ia encontra-lo por ali, olhou as gavetas, no meio das meias, das roupas de baixo. No guarda-roupa. Sentindo o desespero, ou no mínimo começando a se preocupar, olhou no banheiro, na pia, no ralo. Não achou. Ouviu a porta se abrindo e o que tanto evitou acontecendo.
Olhou nos olhos dele e viu sua memória acordar. Ouviu da boca dele e finalmente obteve a resposta pro que lhe afligia.
-"Tá na geladeira. Quando você saiu pela porta, dizendo que não voltava, não sabia o que fazer. Ainda tínhamos algo, mas nunca julgamos direito. Quando você saiu pela porta, fui pro quarto. Vi cacos. Cacos por todos os lados. Nas fotos. Nos livros. Achei cacos enquanto tomava banho. Pedaços embaixo do sofá, nos bolsos das minhas roupas. Foi difícil juntá-los. Confesso que pensei em desistir e procurei por outros que estivessem inteiros. Mas não podia ter nenhum, se já não tinha nada a dar em troca. Então continuei. E consegui. Quando o vi inteiro de novo, mesmo com as marcas, sabia que ainda existia algo que podia nos fazer feliz e sabia que você viria buscá-lo. Então coloquei lá no fundo da geladeira. Tive medo que ele apodrecesse e eu nunca mais conseguisse arrumar. Tá lá, guardado, esperando a dona."
Sorriu de novo. Não se impressionou. Tirou da bolsa aquele que tinha levado consigo e devolveu pro dono. "Toma, é seu...". Foi até a geladeira, pegou aquilo que era dela. "Que bom que o arrumou, que bom que ainda acreditou em nós. Mas isso já não existe."
Saiu pela mesma porta que entrou. Dessa vez devolveu tudo. As chaves, o amor. Não levou nada dali consigo, a não ser o que já era seu. Sorria satisfeita, calou a memória. Se livrou daquilo. Agora, tinha de novo o que precisava pra seguir em frente. Se alguém morre aqui é só o brega do amor. Que sempre pode nascer de novo...
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Guii
De consertar e seguir
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Guii
on quarta-feira, 27 de julho de 2011
Tentou não cobrar as velhas promessas e se manter afastada do telefone. Não discou os números, nem ouviu o recado da caixa postal. Tratou de lavar o rosto e tirar a maquiagem. Decidiu por tomar um banho, trocar a calcinha. Lavar o cheiro da última vez. Percebeu que chorou a toa e sorriu pro espelho. No quarto, se perfumou. Secou os cabelos, se arrumou. Sorrindo pro espelho, tinha sobrevivido.
Só que sobreviver não é esquecer. Fora a última vez. Um "nós" já não existia faz tempo, ambos já sabiam. Ainda que doesse menos, doía. Não atendeu as ligações, apagou os e-mails, recusou as flores. Bebeu um pouco, fumou um pouco mais. Clareou suas ideias, criou poemas pobres e desenhos rabiscados. Fez o que pode pra aquietar a memória.
Saiu. Encontrou em outros braços o alento em outros sexos alivio em outras bocas calor em outros risos outras pessoas. Mas são sempre outros. Então decidiu estar sozinha. Decidiu tantas coisas, achou que tinha perdido o coração. Mas percebeu que na verdade, havia esquecido-o em outro lugar. Foi procurar.
Usou a chave que não devolveu. Dentro do apartamento, procurou pelas mesas. Vendo que não ia encontra-lo por ali, olhou as gavetas, no meio das meias, das roupas de baixo. No guarda-roupa. Sentindo o desespero, ou no mínimo começando a se preocupar, olhou no banheiro, na pia, no ralo. Não achou. Ouviu a porta se abrindo e o que tanto evitou acontecendo.
Olhou nos olhos dele e viu sua memória acordar. Ouviu da boca dele e finalmente obteve a resposta pro que lhe afligia.
-"Tá na geladeira. Quando você saiu pela porta, dizendo que não voltava, não sabia o que fazer. Ainda tínhamos algo, mas nunca julgamos direito. Quando você saiu pela porta, fui pro quarto. Vi cacos. Cacos por todos os lados. Nas fotos. Nos livros. Achei cacos enquanto tomava banho. Pedaços embaixo do sofá, nos bolsos das minhas roupas. Foi difícil juntá-los. Confesso que pensei em desistir e procurei por outros que estivessem inteiros. Mas não podia ter nenhum, se já não tinha nada a dar em troca. Então continuei. E consegui. Quando o vi inteiro de novo, mesmo com as marcas, sabia que ainda existia algo que podia nos fazer feliz e sabia que você viria buscá-lo. Então coloquei lá no fundo da geladeira. Tive medo que ele apodrecesse e eu nunca mais conseguisse arrumar. Tá lá, guardado, esperando a dona."
Sorriu de novo. Não se impressionou. Tirou da bolsa aquele que tinha levado consigo e devolveu pro dono. "Toma, é seu...". Foi até a geladeira, pegou aquilo que era dela. "Que bom que o arrumou, que bom que ainda acreditou em nós. Mas isso já não existe."
Saiu pela mesma porta que entrou. Dessa vez devolveu tudo. As chaves, o amor. Não levou nada dali consigo, a não ser o que já era seu. Sorria satisfeita, calou a memória. Se livrou daquilo. Agora, tinha de novo o que precisava pra seguir em frente. Se alguém morre aqui é só o brega do amor. Que sempre pode nascer de novo...
Só que sobreviver não é esquecer. Fora a última vez. Um "nós" já não existia faz tempo, ambos já sabiam. Ainda que doesse menos, doía. Não atendeu as ligações, apagou os e-mails, recusou as flores. Bebeu um pouco, fumou um pouco mais. Clareou suas ideias, criou poemas pobres e desenhos rabiscados. Fez o que pode pra aquietar a memória.
Saiu. Encontrou em outros braços o alento em outros sexos alivio em outras bocas calor em outros risos outras pessoas. Mas são sempre outros. Então decidiu estar sozinha. Decidiu tantas coisas, achou que tinha perdido o coração. Mas percebeu que na verdade, havia esquecido-o em outro lugar. Foi procurar.
Usou a chave que não devolveu. Dentro do apartamento, procurou pelas mesas. Vendo que não ia encontra-lo por ali, olhou as gavetas, no meio das meias, das roupas de baixo. No guarda-roupa. Sentindo o desespero, ou no mínimo começando a se preocupar, olhou no banheiro, na pia, no ralo. Não achou. Ouviu a porta se abrindo e o que tanto evitou acontecendo.
Olhou nos olhos dele e viu sua memória acordar. Ouviu da boca dele e finalmente obteve a resposta pro que lhe afligia.
-"Tá na geladeira. Quando você saiu pela porta, dizendo que não voltava, não sabia o que fazer. Ainda tínhamos algo, mas nunca julgamos direito. Quando você saiu pela porta, fui pro quarto. Vi cacos. Cacos por todos os lados. Nas fotos. Nos livros. Achei cacos enquanto tomava banho. Pedaços embaixo do sofá, nos bolsos das minhas roupas. Foi difícil juntá-los. Confesso que pensei em desistir e procurei por outros que estivessem inteiros. Mas não podia ter nenhum, se já não tinha nada a dar em troca. Então continuei. E consegui. Quando o vi inteiro de novo, mesmo com as marcas, sabia que ainda existia algo que podia nos fazer feliz e sabia que você viria buscá-lo. Então coloquei lá no fundo da geladeira. Tive medo que ele apodrecesse e eu nunca mais conseguisse arrumar. Tá lá, guardado, esperando a dona."
Sorriu de novo. Não se impressionou. Tirou da bolsa aquele que tinha levado consigo e devolveu pro dono. "Toma, é seu...". Foi até a geladeira, pegou aquilo que era dela. "Que bom que o arrumou, que bom que ainda acreditou em nós. Mas isso já não existe."
Saiu pela mesma porta que entrou. Dessa vez devolveu tudo. As chaves, o amor. Não levou nada dali consigo, a não ser o que já era seu. Sorria satisfeita, calou a memória. Se livrou daquilo. Agora, tinha de novo o que precisava pra seguir em frente. Se alguém morre aqui é só o brega do amor. Que sempre pode nascer de novo...
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